Aperto no busão |
Meu ônibus saiu cedo de Cape Town (ver post anterior, clique aqui), às seis da manhã. Mais uma vez estava na estrada, sozinho, sem saber ao certo o que me esperava. Peguei o ônibus mais barato, o Citiliner da Greyhound, um “pinga-pinga” que ia pelo litoral até Durban (do outro lado do país) parando em todas as cidades do trajeto. Segundo a moça que me vendeu a passagem, não teria serviço de bordo nem banheiro. Sem problemas, iria descansar bastante da noitada do dia anterior, pensei. Não contava com o aperto, eram 5 assentos por fileira (2+3)!! Sorte que sentei no corredor. Fui conversando com um sulafricano que sentou ao meu lado, Mikail, que foi meu guia - explicando sobre tudo pelo caminho. Mikail é africâner (minoria branca descendente de holandeses), estuda em Stellenbosch (cidade universitária próxima à Cidade do Cabo, região dos famosos vinhedos sulafricanos) e sua família é de Knysna (lê-se “náisna”) - ao lado de Plettenberg Bay, meu destino final. Ele disse que já foi várias vezes ao Monkeyland, onde eu iria trabalhar, em excurções da escola quando era criança!
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Mapa do percurso entre Cape Town e Plettenberg Bay |
Vinícola na região de Stellenbosch |
As paisagens eram surpreendentes. Vinhedos e mais vinhedos, montanhas ao fundo, cidadezinhas muito bem cuidadas com arquitetura holandesa e canteiros de flores. Passamos pela sua universidade, Stellenbosch University, que é uma das melhores do país. O campus era igual aos que vimos em filmes americanos, prédios imponentes espalhados por tranquilas ruas arborizadas. A província de Western Cape (Cabo Ocidental), onde estávamos, é onde a população africâner se concentra e isso explicava o que eu estava vendo. Nas cidades menores não tinha nenhuma placa em inglês, e para decifrar o afrikaans é preciso saber um pouco de holandês – o que não era o meu caso! Pelo menos eu já sabia falar “braai”, “hallo” e “dankie” (churrasco, oi e obrigado).
Fomos vendo um filme de comédia sulafricano, todos no ônibus davam altas gargalhadas! O filme era “Mama Jack”, de Leon Schuster, um famoso comediante local que é conhecido por fazer pegadinhas, tipo as encenadas pelo Ivo Hollanda no Topa Tudo por Dinheiro. Era interessante que fazia graça com o cotidiano da população, mostrando sua realidade e gerando identificação das pessoas com as situações. Além de me destrair, pude aprender um pouco mais da cultura popular sulafricana!
TRAILER do filme “Mama Jack”, de Leon Schuster:
Mikail desceu em Mossel Bay, primeira cidade do litoral da Garden Route (rota jardim, trecho da estrada com belas paisagens), e falou para avisá-lo quando eu fosse à Knysna. Já tinha feito um amigo local, agora faltava conhecer os voluntários que já estavam no Monkeyland - estes iriam ser meus companheiros de aventuras pelas próximas semanas. Cheguei a Plettenberg Bay (ou Plett, para os íntimos) com um tempo chuvoso. Coloquei minha mochila pesada nas costas e agradeci ao motorista, que me disse: “Have a safe journey!” (“Tenha uma jornada segura!”). Acho que ele percebeu que eu era um mochileiro iniciante!
Plettenberg Bay |
Christian, o gerente do santuário de primatas, estava a minha espera. Antes de seguirmos para lá, passamos no supermercado para eu comprar mantimentos. Pude ver um pouco da cidade pela janela do carro: a rua principal com lojas, cafés, bares e restaurantes sofisticados para os turistas; mansões com vista para o mar; shopping center estilo americano com grandes lojas em volta do estacionamento e um restaurante KFC no meio. Pegamos a estrada e uns 20km depois chegamos a The Crags, nome do lugar onde a fazenda é localizada.
Essa região atrai muitos turistas, que se hospedam em Plett ou que estão de passagem pela Garden Route, devido às suas belezas naturais e aos vários santuários de animais que lá se situam. Estando nas proximidades do Tsitsikamma National Park, o cenário é composto por montanhas, cachoeiras, vales e rios que desembocam em maravilhosas praias com penhascos emoldurando a paisagem. Como em Nature’s Valley, local ideal para fazer trilhas e curtir a natureza. Embora seu mar agitado possa ser perigoso para nadar, a lagoa formada pela foz do rio que lá desemboca tem tranquilas águas mornas para um relaxante mergulho enquanto pode-se observar o sol se pondo atrás das montanhas. Algo que eu faria muito após o trabalho.
No Stress... Nature's Valley |
Jantar de boas-vindas com os voluntários |
Finalmente tinha chegado ao meu novo lar e à minha nova realidade, pelo menos pelas próximas semanas. Ser o único brasileiro do local era uma novidade para mim, nunca tinha ficado tanto tempo sem escutar uma palavra em português. Aos poucos fui me adaptando e sentindo parte daquele lugar. Fui bem recebido pelos outros voluntários, que para minha sorte a maioria era de voluntárias! O único outro homem era um holandês que iria embora dois dias depois da minha chegada. Como Leo é uma das maneiras de se falar “leão” em inglês, senti-me o próprio Rei da floresta! A turma nas casas dos voluntários era composta por duas sulafricanas, uma italiana, uma alemã e uma inglesa. Além da belga que morava em casa de família e de outra italiana, outra belga e uma russa que chegariam mais tarde. Para agradar ao meu público, sempre fazia caipirinha e brigadeiro para elas provarem um pouco mais do sabor brasileiro... Nem preciso dizer que gostaram, né?! Hahah
Novo lar |
Cheguei tão cansado da viagem que fui para a cama às oito da noite, dormi mais de dez horas seguidas. Morávamos na fazenda, bem ao lado do trabalho. No dia seguinte, finalmente, fui conhecer os macaquinhos, saber como era o santuário e qual seria minha rotina!
A maioria dos macacos que lá vivem vem de cativeiros, eram aminais de estimação ou mantidos em laboratórios. Chegam humanizados, sem nunca ter vivido como macacos. Apesar de suas espécies serem de origem sulamericana, africana ou asiática; muitos nasceram em pet shops dos EUA ou da Europa. Quando pequenos são muito fofinhos, não tem como não se apaixonar e querer levá-los para casa! Mas depois crescem, entram na puberdade, começam a dar dor de cabeça para seus donos - que logo querem se livrar do problema. É preciso ter em mente que eles não são bichos de pelúcia, tem seus instintos! Então são abandonados por seus proprietários e acolhidos pelo Monkeyland para viverem soltos na natureza.
Howler monkey |
Chegando ao santuário, os novatos ficam em gaiolas até se adaptarem aos outros animais e à vida na floresta. No meu primeiro dia presenciei a soltura de uma família, um casal com um filhote, de Howler monkey (o nosso Bugio) na mata. A imensa gaiola no meio da floresta foi aberta e ficamos de longe observando qual seria a reação deles. A mãe, assim que percebeu a chance de liberdade, saiu com o filhote nas costas e buscou refúgio nas copas das árvores. O macho demorou um pouco mais a sair e teve ainda que enfrentar a outra família da mesma espécie que veio dar as boas vindas - ou avisar que eram eles quem mandavam no lugar!
Ponte suspensa sobre a copa das árvores |
Os 12 hectares de mata nativa servem de lar para onze espécies de primatas, sendo os Vervet monkeys os donos da casa. Esses macacos de cor prateada e machos com bolas azuis (para atrair as fêmeas) são os únicos de origem local mantidos dentro do santuário. Os babuínos (baboons), famosa espécie que perambula pelas rodovias e áreas urbanas do país atrás de comida, tem que ser mantidos do lado de fora das cercas por não ser de fácil convívio com outras espécies e com humanos. Espécies menores como os Squirrel monkeys entram e saem pelas grades da cerca, mas não são bobos e sempre voltam por causa da comida!
Vervet monkey exibicionista |
Baboons do lado de fora |
Squirell monkey, há quem acredite nessa cara de bonzinho! |
A melhor parte do dia era alimentar os animais, “feeding time”! Pela manhã, assim que chegávamos, cada um pegava um balde, um galão d’água, um pote de comida e seguia para uma gaiola. Após limpar a bagunça feita com a refeição anterior, e o que ela gerou, servíamos o banquete! Muitos ficavam animados com nossa presença (provavelmente sentindo saudades de seus donos), pulavam em nossos ombros e ficavam perambulando pelos nossos uniformes enquanto ficávamos ali dentro. Mas tínhamos que ignorá-los, deviam ser desumanizados para aprender a se virar na floresta! Às vezes isso gerava algumas leves mordidas, queriam chamar a nossa atenção. Os voluntários novatos sempre evitavam os agitados squirell monkeys, era mordida na certa! No final da tarde, antes de ir embora, cada um pegava dois pesados baldes de comida para colocar nas mesas espalhadas pela floresta. Alguns macaquinhos já ficavam nos esperando na porta do quarto de onde saíamos com seu alimento, eram sempre os mesmos! Conforme íamos adentrando a mata, mais e mais iam surgindo. Parecia que ia rolar uma festa rave, só faltava os lêmures de Madagascar começarem a cantar como no filme: “I like to move it, move it”!!! Era surreal aquela vibe!
Ring tailed lemurs sapecas |
"I like to move it, move it!"
Farina, a alemã, espantando um macaco levado! |
Como a maioria das espécies que lá vivem são de outras origens, a floresta nativa não possui alimentos com os nutrientes suficientes que eles necessitam. Para suprir essa carência, 250kg de alimentos são ofertados diariamente. A dieta é composta principalmente por frutas, pães, ovos e grãos. Antes de amanhecer, a refeição principal é distribuida nas 12 mesas de alimentação espalhadas pela mata por funcionários. Depois os voluntários colocam a sobremesa (frutas) no final do dia. Tudo é feito dentro da fazenda, há uma cozinha cheia de funcionários responsáveis por preparar o cardápio dos símios! Quando a velha bakkie (caminhonete, em afrikaans) sem porta chega carregada da fazenda no portão do santuário, é hora levantar dos bancos e começar o trabalho em equipe para estocar os pesados baldes cheios de nutrientes dentro do almoxarifado. Tinha que prestar atenção para nenhum macaco esperto pegar a comida antes da hora!
A maior parte do dia ficávamos no portão recepcionando os visitantes. Antes de passarmos pelo segundo portão, dentro de uma espécie de gaiola de segurança, explicávamos as regras básicas: No touching, no feeding, no playing with the monkeys! (Não toque, não alimente e não brique com os macacos!). Era gente de todos os lugares, a maioria da Europa, principalmente alemães. De vez em quando aparecia um grupo pequeno de brasileiros, geralmente famílias. Era estranho falar em português algo que eu repetia inúmeras vezes ao dia em inglês. Eu pensava em inglês e demorava uns cinco segundos para saber o que ia falar na minha própria língua, e sempre me enrolava! Os voluntários que ficavam mais tempo eram treinados para virar guias, principalmente os europeus - que podiam explicar na sua língua materna sobre os primatas a turistas de seus países.
O caldeirão cultural não era apenas em relação aos turistas. Além de voluntários de diferentes lugares, haviam funcionários permanentes do santuário que vinham de outros países africanos. Comoros, Camarões e Senegal não ofereceram boas oportunidades para que nossos amigos permanecessem em seus países. A África do Sul é considerada a América da África, atrai imigrantes de todo o continente atrás de oportunidades de trabalho e melhores condições de vida.
Staff em frente ao portão |
É interessante observar a facilidade que os africanos tem para falar outro idioma, ao menos os que tiveram acesso a educação. Além do seu dialeto, todos falavam inglês e a língua oficial imposta no seu país (como afrikaans, francês, etc). Tem alguns guias no Monkeyland que fazem tours em inglês, espanhol e francês - como o senegalês, Thiam. Outros, como o comorense Hamid, ainda arranham outras línguas - italiano, espanhol, português e até chinês! As conversas no portão ou na cabine dos funcionários eram divertidas. Sempre haviam discussões sobre os diferentes pontos de vista (africano contra eurpeu) acerca dos mais diversos assuntos! Já as histórias dos guias especialistas eram muito informativas. Bert narrando detalhadamente suas aventuras caçando elefantes na Namíbia, Niel com suas perguntas sobre fatos aleatórios para testar nossos conhecimentos, nos destraíam e ensinavam ao mesmo tempo!
Hora do café com Chiara, a italiana. |
O inglês era a língua mais usada entre a gente, lógico. Mas a belga falava em francês com os africanos das ex-colônias francesas, a italiana e o senegalês faziam tours em espanhol com grupos de argentinos, a alemã estava sempre ocupada fazendo tours com seus conterrâneos no seu idioma. Quando eu, a italiana e a belga não sabíamos como dizer uma palavra em inglês, diziamos em nossos idiomas mesmo e nos fazíamos entender (ao menos entre a gente!). A inglesa era sempre imcompreendida, ninguém decifrava seu forte sotaque. Sempre ouvia-se um “WHAT?!” (“O QUE?!”), vindo da italiana, após uma frase sua! As sulafricanas eram nosso dicionário ambulante, principalmente a Kim - que fala inglês como primeira língua e não o afrikaans. Os guias locais, surpreendentemente, falavam em afrikaans entre eles. Digo isso pois o aprendizado desse idioma, língua da minoria branca, foi imposto aos negros pelo governo do apartheid, sendo alvo de protestos na época. Mas quando eles se dirigiam a turistas sulafricanos brancos, o utilizavam muito a contragosto – como se fosse uma submissão.
Como único voluntário do sexo masculino, sempre era requisitado para tarefas que exigiam força física. Carregar caixas, mesas, estantes, ou qualquer outra mobília, era comigo mesmo! Mas tive uma oportunidade para contribuir como pseudo-jornalista, a proprietária do santuário (Lara) pediu para eu escrever um artigo e tirar fotos para o site da instituição sobre um evento que iria ocorrer ali. Crianças de duas escolas viriam nos visitar em uma sexta-feira de manhã para plantar mudas de árvores nativas na floresta em frente ao santuário. Minha primeira experiência como repórter seria em outro continente, em outro idioma, outra realidade... que frio na barriga!
Primeira turma a chegar |
A primeira turma chegou logo cedo, assim que abrimos. Vários carros sedans e SUVs foram estacionando e crianças loirinhas com buchechas rosadas, em sua maioria, foram descendo com suas lindas mães de trinta e poucos anos. Eram da escola Footsteps, em Plett. Todos contentes e animados em “salvar a natureza” naquela ensolarada manhã.
Crianças da escola Footsteps |
Conversei com Rikke, representante da ornanização não-governamental (ONG) The Green Ticket - organizadora do evento - , que me explicou mais sobre seu trabalho. Eles desenvolvem projetos de reflorestamento e educação ambiental em escolas, estavam lá dando todo o suporte técnico na realização do evento. A intenção era plantar mais árvores nativas, que são ameaçadas por plantas de outros ecossistemas lá inseridas. Estas, por sua vez, deveriam ser arrancadas pois estragam o solo – retirando nutrientes e consumindo o lençol freático em excesso.
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Plantando mudas de árvores nativas |
Brinquedos novos |
Depois que os pequenos terminaram o “trabalho pesado”, foram curtir um passeio no Monkeyland e no Birds of Eden – parque de pássaros ao lado do Monkeyland. Mas ainda faltava a outra escola. Um grupo enorme vinha chegando de uma vez só, a pé. Era a professora e uma mãe com a garotada de uma creche, Come to Learn, da comunidade vizinha – Kurland Village. As crianças estavam todas arrumadas para o passeio, contentíssimas com suas pás de brinquedo que acabaram de ganhar. Acompanhei-os no passeio após plantarem as mudas. Fui conversando com a professora, Patricia, e aquilo sim renderia uma boa reportagem!
Patricia e parte de sua turma no Birds of Eden |
Ela cuida sozinha de quase 40 crianças, de idades diferentes, em sua própria casa. Mantém a creche funcionando com a ajuda de alguns pais (não todos), que contribuem com 100 rands (em torno de R$25) por mês. Não recebe doações, nem ajuda do governo. Estava tentando levantar dinheiro para construir outro cômodo e fazer mesas e cadeiras. As crianças ficam amontoadas em uma única sala, todas as idades misturadas. Mas comida ela não deixa faltar, fazem duas refeições diárias lá. Ficou tão contente que eu estava interessado na sua história, que a conversa fluiu naturalmente! Fiquei animado também, senti-me como um verdadeiro jornalista buscando a pauta perfeita para sua reportagem. Mas não era esse o enfoque da matéria pedida a mim, infelizmente. A notinha foi publicada no site da instituição em inglês e português, era minha primeira publicação... mesmo sendo pouca coisa, a experiência significou muito para mim!
ARTIGOS: (em inglês, clique aqui) ou (em português, clique aqui).
Passeio pela floresta |
Meu primeiro e único tour como guia foi com essas crianças. Todas queriam ser abraçadas, carregadas no colo ou segurar nossa mão. Não precisei dizer muita coisa sobre os macacos para elas, não falavam inglês ainda, mas seus olhares curiosos e surpresos - quando eu apontava um animal - deixavam claro que estavam encantadas com a vida dos bichos na floresta! Esse foi meu melhor dia de trabalho, fui para casa no fim da tarde realizado lembrando daquelas carinhas com sorriso tímido.
Olha o macaco! |
Recompensa |
Dankie!
2 comentários:
Adorei, parabéns pelo ótimo trabalho!!!
Kra,
muito bacana, PARABÉNSSS COM FORÇA. Poo ae, to numa situação bem parecida com a sua, sou formado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Vila Velha-ES e sou estudante de Jornalismo, saio de um trabalho agora, juntei uma grana e to pretendendo ficar uns 2 meses na Africa do sul, po, se puder me adicionar no facebook: http://www.facebook.com/#!/profile.php?id=100000733149727
As perguntas seriam basicamente relacionadas ao projeto que participou, tipo, consigo ir por ele, pré-requisitos, etc, e tb dicas do país. Podemos se rolar para ti falar pelo email ou msn, ambos jackson_bueno@hotmail.com
Valeu irmãooo, vindo passear no ES, portas aberta.
Abraço
Jackson Bueno
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