As imagens que vêm à cabeça da maioria das pessoas quando se fala da África são de crianças desnutridas, animais selvagens, tribos canibais e o sol se pondo na savana com o Rei Leão em cima de um penhasco, certo? Apesar de todos os alertas que recebi (inclusive do taxista, que me levou ao aeroporto, para comprar uma faca do Rambo para me defender dos leões!), sabia que não era bem isso (ou só isso) que eu iria encontrar. Pesquisar sobre o destino é essencial, meu guia da Lonely Planet foi uma mão na roda durante a viagem, mas o roteiro se faz conforme você chega, as coisas vão acontecendo e você vai sentindo o lugar.
Tudo estava indo bem. Apesar do pequeno atraso no Galeão, cheguei a tempo de pegar o voo para Johannesburgo em Guarulhos. Era madrugada do dia 5 de janeiro, bem na alta temporada, a fila estava imensa. Muitos intercambistas indo estudar inglês, em Cape Town ou que seguiriam para a Austrália ou Nova Zelândia, imaginei. Quando finalmente estávamos todos a bordo, dentro do horário, fomos informados que haveria um atraso por motivos operacionais. Simplesmente o engate do veículo que reboca o avião se soltou e estourou o pneu da aeronave! Tivemos que ficar quatro horas dentro do avião enquanto isso era solucionado, só levantamos voo depois das 6 da manhã.
Eu e os intercambistas no Aeroporto de Cape Town |
Muitos passageiros perderam a conexão em Joburg (como a maior cidade sulafricana é carinhosamente conhecida), inclusive eu. Mas esse perrengue inaugural serviu para conhecer meus primeiros companheiros de viagem, os intercambistas rumo à Cidade do Cabo (ou Cape Town, em inglês). Entre eles a paulista Giovana e a capixaba Lívia, que me acompanharam durante meus dias em Cape Town. Aliás, a tese de que só existem três pessoas no mundo (eu, você e algum amigo em comum) se comprovou logo de cara, a Lívia conhecia quase todos meus amigos de Vitória! Essa tese iria ser verificada mais vezes durante a jornada pelo sul do continente africano.
Chegamos a Cape Town no final da noite. Já não havia mais ônibus especial (tipo “frescão”) para o centro, um táxi iria ficar muito mais caro (350 rands, ao invés de 50 de busão). Falei com o motorista da van que foi buscar os intercambistas e ele prontamente aceitou me deixar no meu albergue, por 200 rands. A brasileirada toda entrou na van, quando chegou a minha vez só tinha vaga na frente. Primeiro contato com a mão inglesa, sentei do lado esquerdo e fui fingindo que estava dirigindo pela Cidade do Cabo, para descontrair aquele último trajeto da longa jornada! Quase demos carona para o Hélio de La Peña (do Casseta & Planeta), ele achou que a nossa van era a que vinha buscá-lo com a família no aeroporto!
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Zuação com a minha headlamp |
Chegar em um albergue de madrugada não é muito legal. Ter que procurar as coisas na mala no escuro, para não acordar a galera dormindo, é uma missão. Apesar da zuação dos meus amigos no bar na hora da compra, a headlamp (lanterna de colocar na cabeça) que comprei de um ambulante na Lapa (no Rio) se provou muito útil logo no início! Depois de conseguir achar minha cama na escuridão com ajuda da minha lanterna, tentei dormir mesmo com o jet leg (não ter acostumado ainda com a diferença do fuso horário) e o entre e sai de gente no quarto. Queria acordar cedo no dia seguinte para começar a explorar a cidade.
A África do Sul é o país mais desenvolvido e a maior economia do continete africano, o que pode não parecer grande coisa. Mas o país da Copa de 2010 me surpreendeu muito logo de cara. Sobrevoei subúrbios com mansões e suas piscinas enormes, os aeroportos estavam novinhos em folha, estradas e avenidas em ótimo estado. Mais moderno que o Brasil em alguns aspectos, pensei. Durante o tempo que passei na cidade essa sensação de que aquele país era desenvolvido continuou.
Vista de Camps Bay |
Ao andar pela longa orla de Sea Point e Green Point, observando a montanha Lion’s Head e o estádio da Copa do Mundo, a brisa tranquila e o som das gaivotas me lembravam mais o litoral californiano que o burburinho da zona sul carioca. Os cafés, bares e restaurantes sofisticados da badalada Camps Bay, atraem muita gente bonita durante o dia e a noite. Turistas e a abastada elite branca sulafricana, que desfila seus carrões importados, se divertem na sua agitada vida noturna. O imponente desfiladeiro dos Doze Apóstulos emoldura sua praia de areias brancas e água de um azul convidativo, embora congelante devido à corrente marítima vinda da Antártica, enquanto a forte brisa balança suas palmeiras. Impossível não se encantar, moraria fácil em um lugar desses! Cenário perfeito se estivesse curtindo o verão na riveira francesa. Mas eu estava na África, a desigualdade social é algo que assola o país - assim como a maioria (se não todos) dos países em desenvolvimento, como o Brasil. O que me chamou a atenção em Cape Town é que ela está escondida, não é como no Rio de Janeiro que está tudo misturado – favela e asfalto lado a lado.
Camps Bay (Cadê as favelas?) |
Isso tudo ainda é resquício do sistema político de segregação racial que vigorou no país até o início da década de 1990 (menos de vinte anos atrás!), o Apartheid (ver trailers de filmes relacionados ao tema no fim desse post!). Para se manter no poder, o governo composto pela minoria branca restringiu os direitos e a livre circulação da maioria negra. Não se vê muita (ou nenhuma) pobreza nas áreas mais turísticas da cidade, os negros eram confinados em guetos (nas townships, como as nossas favelas) longe dalí e lá permaneceram após o fim do regime. Mesmo que na teoria esse sistema tenha acabado com a chegada de Nelson Mandela ao poder em 1994, na prática podemos perceber que ainda há uma evidente separação entre as ricas áreas brancas e as pobres áreas negras, principalmente nessa região do país como pude observar depois. A sociedade sulafricana é bem complexa. Há onze idiomas oficiais, entre eles o inglês (falado pela maioria como segunda língua), o afrikaans (africâner) - falado pela minoria branca descendente de holandeses - e vários dialetos (como o xhosa e o zulu) - que cada etinia tribal da maioria negra tem o seu como língua materna. Isso dificulta a criação de uma identidade nacional e uma maior integração da sociedade. Antes de alguém se declarar sulafricano, como pude comprovar mais tarde, na maioria das vezes se identificam primeiro como africâner, xhosa ou zulu – por exemplo. Hoje a segregação é mais cultural que racial, mas ela ainda continua muito evidente.
Minibus taxi |
No centro da cidade não há tantos brancos circulando a pé pelas ruas. Estão trancados dentro dos carros e os turistas fazem passeios panorâmicos em ônibus vermelhos de dois andares, como os londrinos. Meu meio de transporte preferido eram os minibus taxis, que são como nossas vans lotação aqui do Rio. Mas ao invés do cobrador gritar “Lapa, Central, Lapa, Central!”, ele gritava “Sea Point, Sea Point!”. Era interessante seu sistema de cobrança, todo mundo ia passando o dinheiro para frente e esperava o troco voltar pra trás. Incrivelmente, nunca falhava. Cada viagem era uma aventura, eles corriam pra caramba e paravam de repente para pegar mais gente. A música geralmente era nas alturas, com alguns passageiros cantando no mesmo tom, bem animados! Na maioria das vezes eu era o único branco e turista no veículo, a maioria devia estar indo para o trabalho. Nunca me senti inseguro pegando esse transporte, as pessoas deviam ficar surpresas de ter um branco perdido ou desavisado ali no meio delas, compartilhando parte de sua rotina. Não entendia uma palavra do que conversavam, sempre usam seus dialetos (xhosa, zulu, etc.) entre eles e o inglês só em ultimo caso - quando se dirigiam a mim, por exemplo. Uma vez quando desci da van na Long street, rua central com agitada vida noturna, uma menina quis me alertar e gritou da janela: “Take care!” (Tome cuidado!). Finalmente tinha descoberto um aspecto da cidade mais próximo à realidade sulafricana.
Cape Town vista do topo da Table Mountain |
Um ponto que facilita a identificação de brasileiros com a cidade é que sua geografia e belezas naturais são comparadas ao Rio de Janeiro. Do topo da Table Mountain (Montanha da Mesa), símbolo da cidade como o Pão de Açúcar é para o Rio, é possível ter uma vista magnífica de toda a City Bowl (região central da cidade), seu litoral e da Robben Island, ilha prisão onde Nelson Mandela passou a maior parte dos seus 27 anos de encarceramento. Há duas maneiras de chegar ao topo, de bondinho ou por trilhas. Escolhi ter um pouco de aventura e subi a montanha a pé, pela trilha “mais fácil” (claro!); as meninas me acompanharam. Depois de mais de duas horas de caminhada, da exaustão da Giovana e do frio lá em cima; eu, ela e a Lívia chegamos a tempo de contemplar um pôr-do-sol imponente acima das nuvens. Tomamos chocolate quente dentro da cafeteria, para esquentar, e ficamos conversando com um grupo de sulafricanos gente boa que estavam doidos para vir ao Brasil na Copa do Mundo em 2014, ensinamos algumas palavras (palavrões também, lógico!) em português para eles. Óbvio que depois do cansaço descemos de bondinho!
Pôr-do-sol acima das nuvens |
Haviam ainda alguns lugares interessantes que não tive tempo de contemplar nessa rápida passagem pela Cidade do Cabo. Ficou faltando conferir a histórica prisão em Robben Island e as belezas da Península do Cabo – onde fica o famoso Cabo da Boa Esperança, que no século XV foi contornado por navegadores portugueses rumo às Índias - como aprendemos nas aulas de Estudos Sociais da quarta série.
Todas as belezas da cidade, sua complexidade, as pessoas que conheci e o conforto de me sentir em casa – por ser parecida com o Rio e poder falar português com a brasileirada – me faziam querer ficar mais tempo ou voltar assim que possível. Quem sabe no próximo final de semana para assistir a uma partida de rugby? Cogitei. Mas, andando pelo Waterfront - imenso complexo de entretenimento de frente para o mar com uma bela vista da cidade com a majestosa Table Mountain ao fundo – observei atentamente às apresentações culturais africanas feitas para turistas, que andavam cheios de sacolas de lojas de souvenir. Apesar do ambiente agradável, aquela África me parecia falsa. Tinha chegado a hora de colocar o pé na estrada e ver o que vinha pela frente... os macaquinhos estavam me esperando!
V&A Waterfront (Table Mountain ao fundo) |
MAIS FOTOS!!!
PARA FICAR POR DENTRO:
- Filmes sobre Nelson Mandela e o regime do Apartheid:
Mandela – Luta pela Liberdade (Godbye Bafana)
Invictus
Aguardo comentários para saber o que estão achando, ok?! Valeu, galera!
3 comentários:
Porra Leandrao, meu sonho sempre foi fazer essa viagem que voce fiz. Inveja total cara!
Continua escrevendo que gostei de mais, viu?
Gracias, Solee!! Pode deixar que ainda tem muito mais o que escrever! heheh... besos chica ;)
Leo, que incrivel esse post! amei como vc conseguiu descrever cada detalhe.. parece que voltei a viver aqueles primeiros (incriveis) dias! Saudades demais de tudo isso! Principalmente da nossa aventura pela Table Mountain! haha! Obrigada por fazer a gente viver de novo tudo isso! Parabens pelo blog!!
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