domingo, 9 de setembro de 2012

Hawaii africano


Amanheci em Jeffrey’s Bay, cidadezinha litorânea que respira surf. Lá que rola a etapa africana do campeonato mundial do esport, o WCT, geralmente em julho. Para quem não é um surfista profissional, como eu, não há tanto o que fazer em JBay – como é carinhosamente conhecida. A praia é bonita, mas nada de especial além dos tubarões. A cidade se resume a uma rua principal com lojas de roupas e equipamentos para surfistas, sendo a fábrica da Billabong e outros outlets de surfwear os maiores atrativos. Pensei em passar apenas dois ou três dias ali e seguir em frente, só para conhecer.

Cheguei cedo ao meu albergue, fiquei esperando a recepção abrir para fazer o check in. O Island Vibe Backpackers é uma atração à parte, fica em cima das dunas debruçado sobre o Índico com vista privilegiada para as famosas ondas do pico. O clima havaiano me agradou logo de cara, me senti mais em casa ainda quando escutei pessoas conversando em português. Havia um grupo de brasileiros que estavam morando lá para trabalhar como voluntários em projetos sociais, cuidando de crianças carentes da região (ver dicas no blog de uma delas). Sentei para tomar café e conversar com as meninas. Aos poucos fui conhecendo outros brasileiros que estavam lá a passeio, as pessoas do meu quarto e logo já estava à vontade.

A regra das três pessoas no mundo (eu, você e um amigo em comum) se confrimou mais uma vez, ou melhor, várias vezes. Conheci a Bárbara, uma das voluntárias brasileiras, que estuda na mesma faculdade que eu me formei e conhecia vários amigos meus de BH! Inacreditável. Conversando com os outros viajantes, perguntando por onde eles passaram, contando nossas histórias, descobrimos muitas coisas em comum. Ficamos nos mesmos albergues, visitamos os mesmos lugares e até conhecemos as mesmas pessoas em situações distintas...  Arrumei até um sócio, nos envolvemos com a mesma menina em cidades diferentes! Surreal. Como a maioria do pessoal estava vindo do sentido contrário ao meu, de Durban para Cape Town, pude pegar várias dicas de onde parar pelo caminho.

Beach House
By Stefan Hebeisen
Meu quarto ficava na Beach House - um prédio anexo mais tranquilo, perto do som das ondas e longe do ruído do bar. Foi um pouco mais caro, mas compensou muito. A varanda privativa a poucos metros da areia com uma vista incrível era onde curtíamos a maresia. O pessoal do quarto logo ficou unido, uma galera muito parceira. Tinhamos o desativado beach bar na areia a nossa disposição, logo ali na frente. Final de tarde era ali que curtíamos uma jam session da Lieke, a holandesa, tocando um Jack Johnson no violão. Perfeito!


Beach bar
Cheguei sem nenhuma expectativa, até achando que não ficaria muito tempo. Mas não dava vontade de ir embora. Quando tinha sol íamos à praia, dava para alugar prancha e tentar surfar. Pelo menos um “jacaré” consegui pegar naquelas ondas! Nos dias nublados dávamos uma volta pela cidade no carro alugado do Stefan, o suíço. Resolvemos fazer um braai (churrasco) e compramos os mantimentos no supermercado. Uma alternativa para as refeições servidas no albergue, que também eram ótimas. Todo dia tinha um prato diferente no almoço e no jantar, com opção vegetariana, a preços camaradas.

Roommates
Mesmo com o tempo meio ruim, arriscamos dar um mergulho na praia vazia em um dia à toa. Claro que alguns pertences estavam faltando quando voltamos para a areia. Um senhor nos disse que viu uns garotos mexendo nas nossas coisas e correram para o mato quando ele os repreendeu. Fomos atrás e encontramos os objetos jogados no chão, tinha sido só arte de criança. 

Mutirão na creche

Certa tarde a Roberta, uma das voluntárias, nos convocou para fazer um mutirão na creche onde ela trabalhava (ver post no blog dela). Ela cuidava das crianças em um puxadinho na casa de uma senhora, que conseguiu outro lugar para morar. Então as crianças ganharam mais espaço, o comodo improvisado onde antes ficavam ia ser “demolido”. Assim, elas teriam um espaço coberto para brincar do lado de fora. Depois do serviço pesado, fomos recompensados com suas carinhas alegres.  Foi bom sair daquela bolha paradisíaca em que estávamos e fazer alguma coisa, ainda que pouco, para melhorar a realidade sofrida a nossa volta. Veja vídeo com a experiência do voluntariado delas clicando aqui.

Brazilian party!
As festas no bar eram regadas a muita cerveja e shots de tequila, entre outros drinques. O povo ficava bem descontraído! Mas a música não era tão boa, meio caída. Resolvemos fazer uma festa brasileira no bar desativado lá na areia, o beach bar, com muita caipirinha e música animada! A Mariana, voluntária brasileira japinha, ficou encarregada de divulgar para a galera e recolher a grana (50 rands de cada, uns 15 reais). Eu e os caras do meu quarto (Guilhermino, Mike e Stefan) fizemos as compras e preparamos os drinques. Aos poucos o pessoal foi chegando e o clima esquentando. A lua cheia parecia um farol iluminando o nosso mega luau improvisado. A minha bandeira brasileira estava pendurada atrás do balcão, atraindo mais curiosos querendo saber o que estava rolando lá embaixo. Até o barman apareceu para conferir a festa, pois seu bar estava vazio lá em cima! No outro dia nem a bandeira sobrou para contar história, dasapareceu assim como a memória da maioria.

Caipirinha!


Brazucas!

A diretoria foi curar a ressaca do dia seguinte em um restaurante grego, The Greek, na cidade. Sorte que contávamos com um subsídio da grana que sobrou da festa, ainda que pouco. No final da refeição fomos convidados a quebrar os pratos. Ficamos sem entender direito, mas topamos. É uma tradição grega, simbolizando o desapego aos bens materiais e alegria de viver. Foi muito divertido e inesperado!

Quebra de pratos - restaurante The Greek

Estava rodeado de novos amigos, mas todos estavam indo no sentido oposto - em direção a Cape Town. Seriam perfeitos companheiros de estrada. Mas éramos só eu e minha mochila novamente, tinha que seguir em frente! Iria para Grahamstown encontrar a Jeannine, minha roommate no Monkeyland, para curtir as festas universitárias de lá.

Não era muito longe, mas não tinha muitas opções de ônibus e os horários e tarifas eram horríveis. Teria então que pegar dois minibus taxis (tipo van lotação), um até Port Elizabeth (P.E.) e outro de lá para meu destino. Pedi um taxi regular para me deixar no taxi rank, de onde os minbus taxis partiam. O taxista se assustou, falou para eu não pegar os “black taxis” pois era perigoso. Eu disse que já estava acostumado a andar nesse tipo de transporte e não tinha dinheiro para ir de taxi regular com ele para P.E. - sairia 400 rands (R$100) ao invés de 40 rands (R$10).

Trajeto JBay - P.E. - Grahamstown

Chegando ao estacionamento quase vazio do taxi rank de JBay, fui recebido pelos motoristas das vans que me convidaram para seu churrasco improvisado enquanto esperavam mais passageiros. Os taxi ranks de cidades grandes, como P.E., são lugares confusos. Muitos passageiros, bagagem, mercadorias, animais, vendedores, vans para todos os lados.  Não muito indicado para turistas desavisados. Fotos então, nem pensar. Mas ao chegar lá, o motorista da minha van me deixou na porta da que ia para Grahamstown, que já estava de saída. A “conexão” foi imediata e tranquila.

A preocupação do taxista branco ao ver um estrangeiro se aventurando a viajar em um “pau de arara” pelo seu país, algo que ele nunca faria, mostrou-se desnecessária. Aquela é a realidade da maioria da população local, algo que não se pode esconder. Pode ser perturbador, para ele, compartilhar isso com um forasteiro. Cheguei a pensar que era um resquício do aparthaid, e até poderia ser. Meus companheiros de viagem me olhavam com respeito, por estarmos ali no mesmo banco por horas e horas, sem qualquer distinção. Já estava na província de Eastern Cape, uma das mais pobres do país. A desigualdade social era mais evidente e menos segregada, como fui percebendo a partir dali.

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