Amanheci em Jeffrey’s Bay,
cidadezinha litorânea que respira surf. Lá que rola a etapa africana do
campeonato mundial do esport, o WCT, geralmente em julho. Para quem não é um
surfista profissional, como eu, não há tanto o que fazer em JBay – como é
carinhosamente conhecida. A praia é bonita, mas nada de especial além dos
tubarões. A cidade se resume a uma rua principal com lojas de roupas e
equipamentos para surfistas, sendo a fábrica da Billabong e outros outlets de
surfwear os maiores atrativos. Pensei em passar apenas dois ou três dias ali e
seguir em frente, só para conhecer.
Cheguei cedo ao meu albergue,
fiquei esperando a recepção abrir para fazer o check in. O Island Vibe Backpackers
é uma atração à parte, fica em cima das dunas debruçado sobre o Índico com
vista privilegiada para as famosas ondas do pico. O clima havaiano me agradou
logo de cara, me senti mais em casa ainda quando escutei pessoas conversando em
português. Havia um grupo de brasileiros que estavam morando lá para trabalhar
como voluntários em projetos sociais, cuidando de crianças carentes da região
(ver dicas no blog de uma delas). Sentei para tomar café e conversar com as
meninas. Aos poucos fui conhecendo outros brasileiros que estavam lá a passeio,
as pessoas do meu quarto e logo já estava à vontade.
A regra das três pessoas no mundo
(eu, você e um amigo em comum) se confrimou mais uma vez, ou melhor, várias
vezes. Conheci a Bárbara, uma das voluntárias brasileiras, que estuda na mesma
faculdade que eu me formei e conhecia vários amigos meus de BH! Inacreditável. Conversando
com os outros viajantes, perguntando por onde eles passaram, contando nossas
histórias, descobrimos muitas coisas em comum. Ficamos nos mesmos albergues,
visitamos os mesmos lugares e até conhecemos as mesmas pessoas em situações
distintas... Arrumei até um sócio, nos
envolvemos com a mesma menina em cidades diferentes! Surreal. Como a maioria do
pessoal estava vindo do sentido contrário ao meu, de Durban para Cape Town,
pude pegar várias dicas de onde parar pelo caminho.
Beach House |
![]() |
By Stefan Hebeisen |
Meu quarto ficava na Beach House
- um prédio anexo mais tranquilo, perto do som das ondas e longe do ruído do
bar. Foi um pouco mais caro, mas compensou muito. A varanda privativa a poucos
metros da areia com uma vista incrível era onde curtíamos a maresia. O pessoal
do quarto logo ficou unido, uma galera muito parceira. Tinhamos o desativado
beach bar na areia a nossa disposição, logo ali na frente. Final de tarde era
ali que curtíamos uma jam session da
Lieke, a holandesa, tocando um Jack Johnson no violão. Perfeito!
Beach bar |
Cheguei sem nenhuma expectativa,
até achando que não ficaria muito tempo. Mas não dava vontade de ir embora. Quando
tinha sol íamos à praia, dava para alugar prancha e tentar surfar. Pelo menos
um “jacaré” consegui pegar naquelas ondas! Nos dias nublados dávamos uma volta
pela cidade no carro alugado do Stefan, o suíço. Resolvemos fazer um braai (churrasco) e compramos os
mantimentos no supermercado. Uma alternativa para as refeições servidas no
albergue, que também eram ótimas. Todo dia tinha um prato diferente no almoço e
no jantar, com opção vegetariana, a preços camaradas.
Roommates |
Mesmo com o tempo meio ruim,
arriscamos dar um mergulho na praia vazia em um dia à toa. Claro que alguns
pertences estavam faltando quando voltamos para a areia. Um senhor nos disse
que viu uns garotos mexendo nas nossas coisas e correram para o mato quando ele
os repreendeu. Fomos atrás e encontramos os objetos jogados no chão, tinha sido
só arte de criança.
Mutirão na creche |
Brazilian party! |
As festas no bar eram regadas a
muita cerveja e shots de tequila, entre outros drinques. O povo ficava bem
descontraído! Mas a música não era tão boa, meio caída. Resolvemos fazer uma
festa brasileira no bar desativado lá na areia, o beach bar, com muita
caipirinha e música animada! A Mariana, voluntária brasileira japinha, ficou
encarregada de divulgar para a galera e recolher a grana (50 rands de cada, uns
15 reais). Eu e os caras do meu quarto (Guilhermino, Mike e Stefan) fizemos as
compras e preparamos os drinques. Aos poucos o pessoal foi chegando e o clima
esquentando. A lua cheia parecia um farol iluminando o nosso mega luau
improvisado. A minha bandeira brasileira estava pendurada atrás do balcão,
atraindo mais curiosos querendo saber o que estava rolando lá embaixo. Até o
barman apareceu para conferir a festa, pois seu bar estava vazio lá em cima! No
outro dia nem a bandeira sobrou para contar história, dasapareceu assim como a
memória da maioria.
Caipirinha! |
Brazucas! |
A diretoria foi curar a ressaca
do dia seguinte em um restaurante grego, The Greek, na cidade. Sorte que
contávamos com um subsídio da grana que sobrou da festa, ainda que pouco. No
final da refeição fomos convidados a quebrar os pratos. Ficamos sem entender
direito, mas topamos. É uma tradição grega, simbolizando o desapego aos bens
materiais e alegria de viver. Foi muito divertido e inesperado!
Quebra de pratos - restaurante The Greek
Estava rodeado de novos amigos,
mas todos estavam indo no sentido oposto - em direção a Cape Town. Seriam
perfeitos companheiros de estrada. Mas éramos só eu e minha mochila novamente,
tinha que seguir em frente! Iria para Grahamstown encontrar a Jeannine, minha
roommate no Monkeyland, para curtir as festas universitárias de lá.
Não era muito longe, mas não
tinha muitas opções de ônibus e os horários e tarifas eram horríveis. Teria
então que pegar dois minibus taxis (tipo van lotação), um até Port Elizabeth
(P.E.) e outro de lá para meu destino. Pedi um taxi regular para me deixar no
taxi rank, de onde os minbus taxis partiam. O taxista se assustou, falou para
eu não pegar os “black taxis” pois era perigoso. Eu disse que já estava
acostumado a andar nesse tipo de transporte e não tinha dinheiro para ir de
taxi regular com ele para P.E. - sairia 400 rands (R$100) ao invés de 40 rands
(R$10).
![]() |
Trajeto JBay - P.E. - Grahamstown |
Chegando ao estacionamento quase vazio
do taxi rank de JBay, fui recebido pelos motoristas das vans que me convidaram
para seu churrasco improvisado enquanto esperavam mais passageiros. Os taxi
ranks de cidades grandes, como P.E., são lugares confusos. Muitos passageiros,
bagagem, mercadorias, animais, vendedores, vans para todos os lados. Não muito indicado para turistas desavisados. Fotos então, nem pensar. Mas ao chegar lá, o motorista da minha van me
deixou na porta da que ia para Grahamstown, que já estava de saída. A “conexão”
foi imediata e tranquila.
A preocupação do taxista branco
ao ver um estrangeiro se aventurando a viajar em um “pau de arara” pelo seu
país, algo que ele nunca faria, mostrou-se desnecessária. Aquela é a realidade
da maioria da população local, algo que não se pode esconder. Pode ser
perturbador, para ele, compartilhar isso com um forasteiro. Cheguei a pensar
que era um resquício do aparthaid, e até poderia ser. Meus companheiros de
viagem me olhavam com respeito, por estarmos ali no mesmo banco por horas e
horas, sem qualquer distinção. Já estava na província de Eastern Cape, uma das
mais pobres do país. A desigualdade social era mais evidente e menos segregada,
como fui percebendo a partir dali.
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