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Madrugada de espera em Plett |
Já amanhecia quando o atrasado ônibus
double-deck da Greyhound apareceu no estacionamento do Shell Ultra City, em
Plett. Depois de uma reflexiva madrugada de espera, enfim pude dormir. De vez
em quando abria os olhos para observar a paisagem de trás para frente, já tinha
percorrido o mesmo trecho no sentido contrário algumas semanas antes. O ônibus
era bem mais confortável
que o da ida, tinha até uma atendente servindo café. O
inconveniente do atraso foi recompensado por um lanche grátis. Quando descemos
em uma parada na estrada, fui comer na Steers – rede de
fast food local. A atendente perguntou se eu estava no ônibus,
disse que sim. Ela me alertou que os lanches dos passageiros já tinham sido
encomendados, iriam servir a bordo. Não entendi muito bem no começo, mas
concordei e segurei a fome. Depois pensei que era parte do serviço de bordo
normal, bom demais para ser verdade. A ficha só caiu mais tarde, quando peguei
o mesmo tipo de ônibus em outra ocasião e não serviram sanduíche nenhum. Era
tudo por conta do atraso, doce ilusão!
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De volta à Cape Town |
Era sexta-feira, estava de volta
à Cidade do Cabo. Depois de quase um mês isolado na fazenda, voltar à
civilização foi um pouco estranho. Saltar na estação central no meio da tarde,
com todo aquele tumulto ao meu redor, me fez sentir como um retirante chegando
pela primeira vez à cidade grande. Mas, ao mesmo tempo, sentia falta daquilo.
Peguei um taxi direto para o albergue,
Atlantic Point Backpackers, em Green
Point. Desta vez quis ficar mais próximo da região litorânea da cidade, onde a
brasileirada intercambista que eu tinha conhecido estava morando e estudando.
Não pretendia ficar muito tempo em uma cidade em que eu
já havia estado,
precisava me organizar para não perder tempo. Liguei para o pessoal para saber
qual era a boa da noite, reservei um passeio pela península do Cabo no sábado e
fui ao Waterfront comprar meu ticket para a Robben Island no domingo. Meu final
de semana ia ser cheio!
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Braai brazuca em Cape Town |
Depois de quase um mês sem
contato com português, precisava ouvir minha língua materna. A brasileirada
toda ia para um churrasco (
braai, como dizem os sul-africanos) de despedida na cobertura da escola de inglês deles,
a
International House em Sea Point. Quarenta alunos brasileiros estavam indo
embora, as férias tinham acabado para eles. Não pudia me sentir mais em casa,
parecia que tinha voltado para as festas no meu início de faculdade em Belo
Horizonte. Sertanejo universitário não faltou! Certos momentos me esquecia que
estava na África. Foi bom voltar para a zona de conforto por um instante. Ao
cair na estrada, sabia que não teria um porto seguro a minha espera além do
acaso.
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BazBus |
Fazer um passeio de excursão,
ainda mais de ressaca, foi cansativo. Queria muito conhecer a região da
península do Cabo, não tive tempo da outra vez. Como não tinha ninguém para
rachar o aluguel de um carro comigo, me rendi a um
tour de uma operadora de
turismo - BazBus. Conheci duas meninas de Curitiba a bordo da van, a Flávia e a Thaisa.
Elas estavam viajando pela África do Sul com a van do BazBus por três semanas,
no sentido contrário ao meu. Cape Town era sua última parada, voltariam para
casa no dia seguinte. O
BazBus transporta mochileiros de Joburg até Cape Town
parando nas belezas ao longo do caminho, ida e volta. Um bom jeito de conhecer
outros viajantes, ainda te deixa na porta do albergue que desejar. Sempre me perguntavam
por que eu não viajava de BazBus, muito mais fácil! Eu preferia passar por
perrengues, só isso.
As paisagens pelas quais passamos eram surpreendentes! Hout Bay com seu clima de colônia de pescadores, vários barquinhos flutuando naquela baía de águas calmas emoldurada por picos verdejantes. As vistas panorâmicas proporcionadas pelas curvas sinuosas da perigosa Chapman’s Drive - rodovia com alto índice de deslizamento de rochas, interditada quando há mal tempo. Dei muito trabalho para minha câmera fotográfica. Queria tentar registrar em imagens o que meus olhos estavam sentindo, impossível. Paramos em Boulders Beach para ver os pinguins. Havia toneladas deles, a praia estava mais lotada que Ipanema em domingão ensolarado. Finalmente, chegamos ao Cape Point Nature Reserve. Fizemos um picnic e depois fomos pedalando até o Cabo da Boa Esperança. As paisagens eram tão estimulantes que o cansaço nem incomodava. Os mesmos ventos que, há mais de 500 anos, implusionaram as naus portugueses rumo às Índias, agora também me faziam querer ir além.
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Hout Bay |
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Vista da Chapman's Drive |
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Pinguins em Boulders Beach, Simon's Town. |
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Cabo da Boa Esperança |
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Cape Point |
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Mama Africa |
O dia ainda não tinha acabado, ao
contrário de mim. Descansar no albergue
era tudo o que eu precisava, mas não o que eu queria. Peguei um minibus taxi e fui encontrar as
curitibanas na Long Street. Uma rua abarrotada de turistas entrando e saindo de
restaurantes, bares, pubs e casas noturnas - muitas vezes abordados por
prostitutas e traficantes. Elas estavam hospedadas no Penthouse on Long, onde eu tinha ficado da outra vez, no meio da
vida noturna capetoniana. O restaurante mais concorrido entre os turistas fica
ali, o Mama Africa. Para conferir as apresentações
de danças africanas e experimentar carnes exóticas, foi um longo tempo na lista
de espera. O ambiente é bem temático e animado, e até que as carnes são
saborosas. Pedimos o Mama’s Game Grill - mix de carnes que inculia crocodilo,
avestruz, springbok, kudu e venison sausage. Sorte que deu tempo para comer um
burrito no restaurante mexicano ao lado enquanto esperávamos, pois a tão
recomendada porção matou a curiosidade mas não a fome. A noite agradável acabou
com o cansaço, fiquei melhor ainda com a festa no terraço.
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Flávia, Thaisa e eu prestes a degustar... |
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... o Mama's Game Grill!!! |
Cape Town já tinha me
surpreendido muito, estava esgotado para o passeio mais esperado. A paisagem
recompensava, da balsa já era possível contemplar uma vista panorâmica única da
cidade. Queria muito ver de perto a tão emblemática ilha prisão, onde Mandela
passou a maior parte dos seus 27 anos de encarceramento. Mas de tanto já ter
ouvido falar sobre suas histórias, mesmo com um ex-cárcere como guia, a visita à
Robben Island acabou por ser monótona. Um passado de repressão trancado
naquelas paredes ilhadas por um mar de turistas, muitas vezes alheios ao seu
significado.
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Panorama da Robben Island |
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Bus tour pela ilha |
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Nosso guia, ex-prisioneiro político |
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Cela de Nelson Mandela |
Após muitas ligações, pesquisas
na internet e rabiscos no calendário, defini meu flexível itinerário. Comprei
pela internet uma passagem de ônibus para Jeffrey’s Bay, mas saindo de Stellenbosch.
Queria curtir um pouco da vida universitária sulafricana antes de pegar a mesma
estrada pela qual eu já tinha ido e vindo, indo mais além dessa vez. Parti para
a estação central, peguei o enferrujado trem para a cidadezinha ali ao lado.
Enquanto o velho trem adentrava os subúrbios miseráveis da Cidade do Cabo, deixando
a Table Mountain para trás, suas janelas embaçadas revelavam a realidade da
maioria dos seus passageiros. Algumas crianças correram atrás dos vagões atirando
pedras. Todo mundo se abaixou, eu também. Fechamos as janelas e continuamos a viagem
normalmente. Sabia que não estava dentro de uma bolha de segurança, mas era
assim que todos lá viviam. Tava na cara que eu não era um deles, mas os olhares
curiosos para o único estrangeiro a bordo não eram intimidadores. Minha camisa
da seleção brasileira transmitia simpatia, uma técnica infalível para situações
como essa! Os vinhedos começaram a surgir na paisagem, depois de uma hora de
viagem minha estação finalmente estava chegando...


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