domingo, 9 de setembro de 2012

A "Cidade dos Santos"

0 comentários


Segundo a definição do meu guia mochileiro, Alternative Route, Grahamstown é conhecida como “Cidade dos Santos”. Mais por suas muitas igrejas que pelo comportamento de seus muitos estudantes. É lá que fica a Rhodes University, uma das principais do país. Não é uma cidade muito turística, mas muito festeira. Pedi para o motorista da van me deixar no campus, desci em frente ao teatro. Era lá que iria esperar a Jeannine, minha roomate no Monkeyland, que morava em uma das várias residências estudantis por ali.

Rhodes University
Incrível como as cidades universitárias são aparentemente tranquilas e pacatas. Assim como em Stellenbosch, o campus era muito parecido com os que vimos em filmes americanos – ruas arborizadas, imponentes prédios históricos e vários dormitórios e repúblicas estudantis. Fomos deixar minhas coisas no dormitório dela e partimos para um pub, tudo a pé. A residência estudantil dela era só feminina. Para entrar, tinha que passar um cartão magnético e minha presença foi registrada em um livro de visitantes masculinos com horário de entrada e saída. Era dia de mudança, as alunas tinham acabado de voltar das férias e seus pertences estavam encaixotados no depósito. Como único homem no prédio, fui requisitado a carregar algumas caixas escada acima. Virei a atração do lugar! Era um grupo bem mais heterogêneo que em Stellenbosch, onde a maioria é Afrikaans. Lá encontrei a menina indiana que conheci em Knysna, mundo pequeno!
  
Shots!
A noite chegou e a tranquildade das ruas foi embora, então entendi a descrição do guia. Fizemos uma perigrinação. Não religiosa, claro, mas sim etílica. Não lembro ao certo quantos bares e baladas entramos. Colecinávamos carimbos e pulseiras de livre acesso aos lugares. Tudo começou em um bar com driques a 5 rands (menos de 2 reais), encontramos umas amigas dela e ficamos conversando. Cada hora era uma bebida diferente. Querendo provar algo típico, experimentei quase todo o cardápio. Mas as bebidas típicas de cidades universitárias são as mesmas em qualquer lugar, cerveja e destilados com coca cola. O que pode mudar é a marca, que seja então!

Jeannine, eu, Kiara e Trisha
Duas de suas amigas (Trisha e Kiara) eram do Zimbábue, país vizinho controlado pela conturbada ditadura de Robert Mugabe. Enquanto o ditador anda expulsando os fazendeiros brancos do seu país, as duas trocam confidências em uma mesa de bar – onde a cor da pele não faz a menor diferença. Falei que queria conhecer Harare, a capital de seu país, entender como é viver naquele controverso sistema político. Tinha ouvido rumores de que haveria eleições presidencias em breve, provavelmente mais uma vez violentas e fraudulentas. Elas não me incentivaram tanto a ir, mas me passaram alguns contatos para procurar lá caso realmente decidisse tentar. A economia do Zimbábue entrou em colapso com a queda da produção agrícola, após a “reforma agrária” ditatorial. O dólar zimbabueano não valia mais nada. Para conter a inflação estratosférica, a solução foi dolarizar a economia. Kiara tirou da carteira suas notas de dólares, todas em fiapos. As cédulas que iam ser descartadas nos EUA são as que circulam por lá, cheias de rabiscos e remendadas com fitas adesivas. Harare já tinha visto dias melhores. Ver vídeo (em inglês) sobre a situação no Zimbábue no final desse post.

Mas não estava lá para falar de política, também não tinha nem condições. Seguimos a multidão pelas ruas em busca do próximo destino, ou melhor, próximos destinos. A pacata cidadezinha tinha se tranformado, a noite estava eletrizante. Entrávamos em um lugar, saiamos de outro, voltávamos pro anterior e foi assim a noite toda. Do nada me vi na casa de uma galera aleatória, tipo república estudantil, brincando com uns ratos de laboratório na gaiola. Se não fosse a foto dos camundongos na câmera, essa imagem teria sumido da memória. Matamos a fome na barraquinha da Mama Pam, um cachorro quente morte lenta típico muito bom! Ganhei um porta-chaveiro da Jose Cuervo como brinde, deve ter sido em algum concurso ou brincadeira de um pub qualquer. Não vi a hora que a festa acabou, ou mudou de lugar. Amanhaci como um clandestino no dormitório feminino.



Foam party!
Domingo de sol, belo passeio pela cidade e gramados da universidade. Ainda tinha festa programada, mesmo com ressaca acumulada. A festa da espuma em um divertido pub, o House of Pirates, prometia. Não lembrava que já tinha conhecido a metade das pessoas dali na noite anterior, dizia “Hi, nice to meet you” para todo mundo. Foi muito divertido, mesmo não aderindo à farra na piscina de espuma. Viajar todo molhado ia ser complicado, preferi só assistir.



Campus universitário

Demos umas voltas de carro para procurar o taxi rank e pedir informações sobre os horários das vans, sem sucesso. O destino era a Wild Coast, o litoral quase intocado repleto de vilarejos tribais na região mais pobre do país. Mas não sabia se ia direto para Coffe Bay ou pararia alguns dias em Cintsa, como indicado por amigos de estrada. Conferi os horários dos ônibus e decidi partir para East London, dormir lá e seguir para Cintsa no dia seguinte. Lá era a cidade natal da Jeannine, a Wild Coast seu quintal. Ela tinha ficado tão contente quando eu disse, ainda no Monkeyland, que queria conhecer aquele lugar. Lamentava-se pelos voluntários estrangeiros que só iam a Cape Town e nada mais. Como se algum gringo me dissesse que queria conhecer a Chapada dos Guimarães, refúgio de cuiabanos como eu, além do Rio de Janeiro. Seria a companhia perfeita para aquela aventura, me passou várias dicas. Malditas aulas da faculdade, que abreviaram nossa despedida. Paramos na Steers para lanchar enquanto o ônibus não aparecia. Vários passaram e nada do meu, mas ele chegou. Hora de partir novamente, rumo ao desconhecido.

Caminho pela frente...

Vídeo (em inglês) sobre a situação no Zimbábue:

Hawaii africano

0 comentários


Amanheci em Jeffrey’s Bay, cidadezinha litorânea que respira surf. Lá que rola a etapa africana do campeonato mundial do esport, o WCT, geralmente em julho. Para quem não é um surfista profissional, como eu, não há tanto o que fazer em JBay – como é carinhosamente conhecida. A praia é bonita, mas nada de especial além dos tubarões. A cidade se resume a uma rua principal com lojas de roupas e equipamentos para surfistas, sendo a fábrica da Billabong e outros outlets de surfwear os maiores atrativos. Pensei em passar apenas dois ou três dias ali e seguir em frente, só para conhecer.

Cheguei cedo ao meu albergue, fiquei esperando a recepção abrir para fazer o check in. O Island Vibe Backpackers é uma atração à parte, fica em cima das dunas debruçado sobre o Índico com vista privilegiada para as famosas ondas do pico. O clima havaiano me agradou logo de cara, me senti mais em casa ainda quando escutei pessoas conversando em português. Havia um grupo de brasileiros que estavam morando lá para trabalhar como voluntários em projetos sociais, cuidando de crianças carentes da região (ver dicas no blog de uma delas). Sentei para tomar café e conversar com as meninas. Aos poucos fui conhecendo outros brasileiros que estavam lá a passeio, as pessoas do meu quarto e logo já estava à vontade.

A regra das três pessoas no mundo (eu, você e um amigo em comum) se confrimou mais uma vez, ou melhor, várias vezes. Conheci a Bárbara, uma das voluntárias brasileiras, que estuda na mesma faculdade que eu me formei e conhecia vários amigos meus de BH! Inacreditável. Conversando com os outros viajantes, perguntando por onde eles passaram, contando nossas histórias, descobrimos muitas coisas em comum. Ficamos nos mesmos albergues, visitamos os mesmos lugares e até conhecemos as mesmas pessoas em situações distintas...  Arrumei até um sócio, nos envolvemos com a mesma menina em cidades diferentes! Surreal. Como a maioria do pessoal estava vindo do sentido contrário ao meu, de Durban para Cape Town, pude pegar várias dicas de onde parar pelo caminho.

Beach House
By Stefan Hebeisen
Meu quarto ficava na Beach House - um prédio anexo mais tranquilo, perto do som das ondas e longe do ruído do bar. Foi um pouco mais caro, mas compensou muito. A varanda privativa a poucos metros da areia com uma vista incrível era onde curtíamos a maresia. O pessoal do quarto logo ficou unido, uma galera muito parceira. Tinhamos o desativado beach bar na areia a nossa disposição, logo ali na frente. Final de tarde era ali que curtíamos uma jam session da Lieke, a holandesa, tocando um Jack Johnson no violão. Perfeito!


Beach bar
Cheguei sem nenhuma expectativa, até achando que não ficaria muito tempo. Mas não dava vontade de ir embora. Quando tinha sol íamos à praia, dava para alugar prancha e tentar surfar. Pelo menos um “jacaré” consegui pegar naquelas ondas! Nos dias nublados dávamos uma volta pela cidade no carro alugado do Stefan, o suíço. Resolvemos fazer um braai (churrasco) e compramos os mantimentos no supermercado. Uma alternativa para as refeições servidas no albergue, que também eram ótimas. Todo dia tinha um prato diferente no almoço e no jantar, com opção vegetariana, a preços camaradas.

Roommates
Mesmo com o tempo meio ruim, arriscamos dar um mergulho na praia vazia em um dia à toa. Claro que alguns pertences estavam faltando quando voltamos para a areia. Um senhor nos disse que viu uns garotos mexendo nas nossas coisas e correram para o mato quando ele os repreendeu. Fomos atrás e encontramos os objetos jogados no chão, tinha sido só arte de criança. 

Mutirão na creche

Certa tarde a Roberta, uma das voluntárias, nos convocou para fazer um mutirão na creche onde ela trabalhava (ver post no blog dela). Ela cuidava das crianças em um puxadinho na casa de uma senhora, que conseguiu outro lugar para morar. Então as crianças ganharam mais espaço, o comodo improvisado onde antes ficavam ia ser “demolido”. Assim, elas teriam um espaço coberto para brincar do lado de fora. Depois do serviço pesado, fomos recompensados com suas carinhas alegres.  Foi bom sair daquela bolha paradisíaca em que estávamos e fazer alguma coisa, ainda que pouco, para melhorar a realidade sofrida a nossa volta. Veja vídeo com a experiência do voluntariado delas clicando aqui.

Brazilian party!
As festas no bar eram regadas a muita cerveja e shots de tequila, entre outros drinques. O povo ficava bem descontraído! Mas a música não era tão boa, meio caída. Resolvemos fazer uma festa brasileira no bar desativado lá na areia, o beach bar, com muita caipirinha e música animada! A Mariana, voluntária brasileira japinha, ficou encarregada de divulgar para a galera e recolher a grana (50 rands de cada, uns 15 reais). Eu e os caras do meu quarto (Guilhermino, Mike e Stefan) fizemos as compras e preparamos os drinques. Aos poucos o pessoal foi chegando e o clima esquentando. A lua cheia parecia um farol iluminando o nosso mega luau improvisado. A minha bandeira brasileira estava pendurada atrás do balcão, atraindo mais curiosos querendo saber o que estava rolando lá embaixo. Até o barman apareceu para conferir a festa, pois seu bar estava vazio lá em cima! No outro dia nem a bandeira sobrou para contar história, dasapareceu assim como a memória da maioria.

Caipirinha!


Brazucas!

A diretoria foi curar a ressaca do dia seguinte em um restaurante grego, The Greek, na cidade. Sorte que contávamos com um subsídio da grana que sobrou da festa, ainda que pouco. No final da refeição fomos convidados a quebrar os pratos. Ficamos sem entender direito, mas topamos. É uma tradição grega, simbolizando o desapego aos bens materiais e alegria de viver. Foi muito divertido e inesperado!

Quebra de pratos - restaurante The Greek

Estava rodeado de novos amigos, mas todos estavam indo no sentido oposto - em direção a Cape Town. Seriam perfeitos companheiros de estrada. Mas éramos só eu e minha mochila novamente, tinha que seguir em frente! Iria para Grahamstown encontrar a Jeannine, minha roommate no Monkeyland, para curtir as festas universitárias de lá.

Não era muito longe, mas não tinha muitas opções de ônibus e os horários e tarifas eram horríveis. Teria então que pegar dois minibus taxis (tipo van lotação), um até Port Elizabeth (P.E.) e outro de lá para meu destino. Pedi um taxi regular para me deixar no taxi rank, de onde os minbus taxis partiam. O taxista se assustou, falou para eu não pegar os “black taxis” pois era perigoso. Eu disse que já estava acostumado a andar nesse tipo de transporte e não tinha dinheiro para ir de taxi regular com ele para P.E. - sairia 400 rands (R$100) ao invés de 40 rands (R$10).

Trajeto JBay - P.E. - Grahamstown

Chegando ao estacionamento quase vazio do taxi rank de JBay, fui recebido pelos motoristas das vans que me convidaram para seu churrasco improvisado enquanto esperavam mais passageiros. Os taxi ranks de cidades grandes, como P.E., são lugares confusos. Muitos passageiros, bagagem, mercadorias, animais, vendedores, vans para todos os lados.  Não muito indicado para turistas desavisados. Fotos então, nem pensar. Mas ao chegar lá, o motorista da minha van me deixou na porta da que ia para Grahamstown, que já estava de saída. A “conexão” foi imediata e tranquila.

A preocupação do taxista branco ao ver um estrangeiro se aventurando a viajar em um “pau de arara” pelo seu país, algo que ele nunca faria, mostrou-se desnecessária. Aquela é a realidade da maioria da população local, algo que não se pode esconder. Pode ser perturbador, para ele, compartilhar isso com um forasteiro. Cheguei a pensar que era um resquício do aparthaid, e até poderia ser. Meus companheiros de viagem me olhavam com respeito, por estarmos ali no mesmo banco por horas e horas, sem qualquer distinção. Já estava na província de Eastern Cape, uma das mais pobres do país. A desigualdade social era mais evidente e menos segregada, como fui percebendo a partir dali.

<< POST ANTERIOR
PRÓXIMO POST >> 

Vinho universitário

0 comentários


Cheguei


A melhor universidade da África do Sul não poderia ficar em lugar mais oportuno, na região dos melhores vinhos do país! A vida universitária em Stellenbosch se mostrou bem animada. Mikail, meu amigo sul-africano que estuda lá, me pegou na estação e fomos direto para um pub encontrar seus amigos. Era um domingo, véspera da volta às aulas, os bares pelo caminho estavam todos lotados.



Free shots!


Chegamos ao Bohemia, um pub bem divertido cheio de estudantes enlouquecidos. Era dia de bingo, logo que cheguei já ganhei uma cartela para concorrer aos prêmios. Num primeiro momento fiquei meio perdido, tive ajuda da Adele (amiga do Mikail, que por sinal também canta bem) para contar meus pontos. Falei que no Brasil bingo geralmente é um passatempo para idosos. Lá o tradicional jogo era bem diferente, todos loucos pelas bebidas grátis oferecidas a quem completasse uma linha ou coluna. Teve também um concurso de quem fizesse a maior esquisitice no palco, um da nossa mesa foi lá participar e ganhou shots para todos nós como prêmio. Os participantes eram engraçados, apesar de não me lembrar quais foram seus truques já na manhã seguinte. Estava na terra dos famosos vinhos sulafricanos, resolvi apostar na bebida local. Vinho não era uma bebida pra aquela ocasião, pensei. Mas lá havia uma versão universitária, a wine box. Como não sou um enólogo exigente, a caixinha de vinho foi uma boa pedida!


Wine box
A festa terminou em uma das repúblicas da cidade. Fomos para uma casa enorme, com um jardim imenso e uma piscina convidativa naquela quente noite de verão. Todos lá falavam afrikaans como primeira língua, fiquei boiando nas conversas. Antes de ir para o dormitório da faculdade, passamos no labaratório de informática. Mikail e Adele tinham que resolver algo da matrícula deles e eu aproveitei para entrar na internet. Por incrível que pareça, tinha gente infurnada dentro da universidade em pleno domingo a noite!  Estendi meu saco de dormir no chão do dormitório, o desconforto nem incomodou tamanho era o cansaço.

Ruas de Stellenbosch
Não estava muito afim de passeios turísticos nas vinícolas, resolvi andar pela cidade. Sentei em um simpatico café de esquina com internet grátis, o Vida e Caffè - uma rede inspirada nas cafeterias portuguesas. Além de receber um "obrigado" (em português mesmo) após finalizar meu pedido, estava tocando uma Bossa Nova cantada por Bebel Gilberto. Cidadezinha tranquila, ruas arborizadas, casarões históricos, cafés e restaurantes aconchegantes. Ia ter um jogo de rugby do time da universidade, os Maties. Todos estavam uniformizados pelas ruas, parecia final de Copa do Mundo. Universidade, estilo as americanas, com prédios imponentes e estudantes indo e vindo nas sobras das árvores centenárias de suas calçadas. A maioria esmagadora de seus alunos é de origem afrikaans, todos descendentes dos colonizadores europeus. Uma aluna me disse que preferiu estudar lá justamente por causa dessa hegemonia branca, pois as outras universidades são “muito misturadas” – senti um resquício do aparthaid em seu comentário. Segundo o Mikail, as aulas são bilíngues – coitados dos professores que tem que traduzir cada frase dita em inglês para o afrikaans e vice versa. Fiquei um tempo ali observando o vai e vem dos alunos, entrei em um dos prédios e me impressionei. Não lembra em nada as sucateadas universidades federais brasileiras, mesmo sendo em um país mais pobre que o nosso. O Brasil tem muito a aprender, na área da educação, com seu parceiro no BRICS (grupo de países emergentes formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Estudantes da Stellenbosch University

Vídeo da partida de Rugby

Maties x TUT, Varsity Cup
Meu ônibus para Jeffrey’s Bay partiria no início da noite, mal daria tempo para ver o jogo de rugby, mas decidi arriscar. Era pelo campeonato universitário, Varsity Cup. O estádio estava lotado, a fila do bar também. Era um olho no campo e outro no relógio, mas pude aproveitar o animado início de partida. O sol já estava se pondo, seus raios irradiavam a torcida, esperei terminar o primeiro tempo e tive que partir. Torci para o ônibus estar atrasado, cheguei apressado no ponto, em baixo de uma passarela em uma tranquila avenida. Perguntei se o busão já tinha passado para um grupo de estudantes que estava lá bebendo, disseram que ainda não. Ufa! Eles estavam indo pra Grahamstown, onde a Jeannine (minha roommate no Monkeyland) também estudava, outra cidade universitária que estava no meu roteiro. Aproveitei e pedi algumas dicas de lá. O ônibus chegou depois de uns 20 minutos de espera, era a com mesma atendente da outra vez! Lógico que ela não se lembrava de mim, mas eu disse sorridente: “You again!” (Você de novo!). Quase que um dos estudantes não pode embarcar, estava muito bêbado! A paisagem da janela já era familiar, ao contrário do meu próximo destino, onde não conhecia ninguém.

<< POST ANTERIOR
PRÓXIMO POST >> 

De volta à "civilização"

0 comentários



Madrugada de espera em Plett
Já amanhecia quando o atrasado ônibus double-deck da Greyhound apareceu no estacionamento do Shell Ultra City, em Plett. Depois de uma reflexiva madrugada de espera, enfim pude dormir. De vez em quando abria os olhos para observar a paisagem de trás para frente, já tinha percorrido o mesmo trecho no sentido contrário algumas semanas antes. O ônibus era bem mais confortável que o da ida, tinha até uma atendente servindo café. O inconveniente do atraso foi recompensado por um lanche grátis. Quando descemos em uma parada na estrada, fui comer na Steers – rede de fast food local. A atendente perguntou se eu estava no ônibus, disse que sim. Ela me alertou que os lanches dos passageiros já tinham sido encomendados, iriam servir a bordo. Não entendi muito bem no começo, mas concordei e segurei a fome. Depois pensei que era parte do serviço de bordo normal, bom demais para ser verdade. A ficha só caiu mais tarde, quando peguei o mesmo tipo de ônibus em outra ocasião e não serviram sanduíche nenhum. Era tudo por conta do atraso, doce ilusão!

De volta à Cape Town

Era sexta-feira, estava de volta à Cidade do Cabo. Depois de quase um mês isolado na fazenda, voltar à civilização foi um pouco estranho. Saltar na estação central no meio da tarde, com todo aquele tumulto ao meu redor, me fez sentir como um retirante chegando pela primeira vez à cidade grande. Mas, ao mesmo tempo, sentia falta daquilo. Peguei um taxi direto para o albergue, Atlantic Point Backpackers, em Green Point. Desta vez quis ficar mais próximo da região litorânea da cidade, onde a brasileirada intercambista que eu tinha conhecido estava morando e estudando. Não pretendia ficar muito tempo em uma cidade em que eu já havia estado, precisava me organizar para não perder tempo. Liguei para o pessoal para saber qual era a boa da noite, reservei um passeio pela península do Cabo no sábado e fui ao Waterfront comprar meu ticket para a Robben Island no domingo. Meu final de semana ia ser cheio!

Braai brazuca em Cape Town
Depois de quase um mês sem contato com português, precisava ouvir minha língua materna. A brasileirada toda ia para um churrasco (braai, como dizem os sul-africanos) de despedida na cobertura da escola de inglês deles, a International House em Sea Point. Quarenta alunos brasileiros estavam indo embora, as férias tinham acabado para eles. Não pudia me sentir mais em casa, parecia que tinha voltado para as festas no meu início de faculdade em Belo Horizonte. Sertanejo universitário não faltou! Certos momentos me esquecia que estava na África. Foi bom voltar para a zona de conforto por um instante. Ao cair na estrada, sabia que não teria um porto seguro a minha espera além do acaso.

BazBus
Fazer um passeio de excursão, ainda mais de ressaca, foi cansativo. Queria muito conhecer a região da península do Cabo, não tive tempo da outra vez. Como não tinha ninguém para rachar o aluguel de um carro comigo, me rendi a um tour de uma operadora de turismo - BazBus. Conheci duas meninas de Curitiba a bordo da van, a Flávia e a Thaisa. Elas estavam viajando pela África do Sul com a van do BazBus por três semanas, no sentido contrário ao meu. Cape Town era sua última parada, voltariam para casa no dia seguinte. O BazBus transporta mochileiros de Joburg até Cape Town parando nas belezas ao longo do caminho, ida e volta. Um bom jeito de conhecer outros viajantes, ainda te deixa na porta do albergue que desejar. Sempre me perguntavam por que eu não viajava de BazBus, muito mais fácil! Eu preferia passar por perrengues, só isso.

As paisagens pelas quais passamos eram surpreendentes! Hout Bay com seu clima de colônia de pescadores, vários barquinhos flutuando naquela baía de águas calmas emoldurada por picos verdejantes. As vistas panorâmicas proporcionadas pelas curvas sinuosas da perigosa Chapman’s Drive - rodovia com alto índice de deslizamento de rochas, interditada quando há mal tempo. Dei muito trabalho para minha câmera fotográfica. Queria tentar registrar em imagens o que meus olhos estavam sentindo, impossível. Paramos em Boulders Beach para ver os pinguins. Havia toneladas deles, a praia estava mais lotada que Ipanema em domingão ensolarado. Finalmente, chegamos ao Cape Point Nature Reserve. Fizemos um picnic e depois fomos pedalando até o Cabo da Boa Esperança. As paisagens eram tão estimulantes que o cansaço nem incomodava. Os mesmos ventos que, há mais de 500 anos, implusionaram as naus portugueses rumo às Índias, agora também me faziam querer ir além.

Hout Bay
Vista da Chapman's Drive
Pinguins em Boulders Beach, Simon's Town.

Cabo da Boa Esperança
Cape Point

Mama Africa
O dia ainda não tinha acabado, ao contrário de mim.  Descansar no albergue era tudo o que eu precisava, mas não o que eu queria. Peguei um minibus taxi e fui encontrar as curitibanas na Long Street. Uma rua abarrotada de turistas entrando e saindo de restaurantes, bares, pubs e casas noturnas - muitas vezes abordados por prostitutas e traficantes. Elas estavam hospedadas no Penthouse on Long, onde eu tinha ficado da outra vez, no meio da vida noturna capetoniana. O restaurante mais concorrido entre os turistas fica ali, o Mama Africa. Para conferir as apresentações de danças africanas e experimentar carnes exóticas, foi um longo tempo na lista de espera. O ambiente é bem temático e animado, e até que as carnes são saborosas. Pedimos o Mama’s Game Grill - mix de carnes que inculia crocodilo, avestruz, springbok, kudu e venison sausage. Sorte que deu tempo para comer um burrito no restaurante mexicano ao lado enquanto esperávamos, pois a tão recomendada porção matou a curiosidade mas não a fome. A noite agradável acabou com o cansaço, fiquei melhor ainda com a festa no terraço.
Flávia, Thaisa e eu prestes a degustar...

... o Mama's Game Grill!!!
Cape Town já tinha me surpreendido muito, estava esgotado para o passeio mais esperado. A paisagem recompensava, da balsa já era possível contemplar uma vista panorâmica única da cidade. Queria muito ver de perto a tão emblemática ilha prisão, onde Mandela passou a maior parte dos seus 27 anos de encarceramento. Mas de tanto já ter ouvido falar sobre suas histórias, mesmo com um ex-cárcere como guia, a visita à Robben Island acabou por ser monótona. Um passado de repressão trancado naquelas paredes ilhadas por um mar de turistas, muitas vezes alheios ao seu significado.

Panorama da Robben Island
Bus tour pela ilha
Nosso guia, ex-prisioneiro político
Cela de Nelson Mandela

Após muitas ligações, pesquisas na internet e rabiscos no calendário, defini meu flexível itinerário. Comprei pela internet uma passagem de ônibus para Jeffrey’s Bay, mas saindo de Stellenbosch. Queria curtir um pouco da vida universitária sulafricana antes de pegar a mesma estrada pela qual eu já tinha ido e vindo, indo mais além dessa vez. Parti para a estação central, peguei o enferrujado trem para a cidadezinha ali ao lado. Enquanto o velho trem adentrava os subúrbios miseráveis da Cidade do Cabo, deixando a Table Mountain para trás, suas janelas embaçadas revelavam a realidade da maioria dos seus passageiros. Algumas crianças correram atrás dos vagões atirando pedras. Todo mundo se abaixou, eu também. Fechamos as janelas e continuamos a viagem normalmente. Sabia que não estava dentro de uma bolha de segurança, mas era assim que todos lá viviam. Tava na cara que eu não era um deles, mas os olhares curiosos para o único estrangeiro a bordo não eram intimidadores. Minha camisa da seleção brasileira transmitia simpatia, uma técnica infalível para situações como essa! Os vinhedos começaram a surgir na paisagem, depois de uma hora de viagem minha estação finalmente estava chegando... 




<< POST ANTERIOR
PRÓXIMO POST >>