Dias de folga chegando, resolvi
me programar para aproveitar mais o curto tempo livre que tinha fora da fazenda.
Combinei com o Mikail, amigo afrikaans de Knysna (lê-se “náisna”) que conheci
no ônibus, que iria para lá conhecer sua cidade. Pedi dica de um hostel legal
para ficar, mas ele disse para não me preocupar com isso. Antes de partir para lá,
fui com as meninas visitar nossos pesados vizinhos no Elephants Sanctuary –
santuário de elefantes literalmente ao lado de casa.
Gaelle, Chiara, elefante, treinador, Farina e eu.
Passeado de "mãos dadas" com a elefanta! hahah
Os elefantes que lá vivem, são
provenientes do Kruger National Park – uma das maiores e a mais famosa reserva
de vida selvagem do continente africano. São animais rejeitados pelo seu grupo,
que não sobreviveriam sozinhos na selva. No santuário, vivem soltos e são
treinados para conviver com os humanos e agradar aos turistas. Segundo o
treinador, não são obrigados a fazer isso, só o fazem para receber agrados como
recompensa – amendoim, por exemplo. Pudemos
passear de “mãos dadas” com eles pela floresta, dar de comer, assistir a truques
– como chacoalhar a cabeça – e, para quem pagasse uma taxa maior, seria
possível até pegar uma carona em cima deles! Fui uniformizado com a camisa do
Paquidermes F.C., meu time do coração na PUC Minas, para tirar foto com o
verdadeiro mascote da equipe!!
Taxi rank em Knysna
Saindo de lá, fui direto para
Plett de minibus taxi pegar uma “conexão” para Knysna. Os minibus param em um taxi rank,
tipo um estacionamento onde é possível arrumar condução para vários destinos.
Os taxi ranks são lugares singulares,
ótimos para absorver o cotidiano da população local! Dignos de um post detalhado,
prometo escrever um texto dedicado só aos meios de transporte locais! Enfim, lá
peguei um taxi para meu destino. Esse era tipo um taxi mesmo, não uma van. Para
partir logo, tive que pagar pelos assentos livres. Como essa rota não tem um
fluxo grande de passageiros, iria ficar esperando eternamente que o taxi
enchesse. Eram 20 rands por pessoa
(R$5), a viagem de meia hora saiu pelo preço normal de uma corrida de taxi aqui
no Brasil. O motorista e a outra passageira foram o caminho inteiro falando em
xhosa, não entendia nada daquela língua cheia de cliques! Peguei meu guia
Lonely Planet para consultar o dicionário de frases úteis. Saindo do carro,
disse: “Enkosi”!
Entrada da Knysna Lagoon vista do East Head
Knysna se parece com as outras
cidades da região: bem cuidada, turística e afrikaans. Mas meu guia lá era um
amigo local, pude conhecer de perto o estilo de vida deles! Chegando lá, Mikail
me levou direto para East Head - um
mirante em cima de um penhasco onde é possível ter uma vista incrível da cidade
e da Lagoa de Knysna se encontrando com o mar, surreal! Em meio àquele visual
todo, encontramos umas amigas dele que iriam estar no pub que iríamos mais
tarde - gostei daquele lugar! Almoçamos e fomos a uma praia fora da cidade,
Buffels Baai (ou Buffalo Bay). Um vilarejo praiano, com lindas casas de
veraneio e ambiente bem familiar. Um refúgio dos locais e surfistas quando a
região é tomada por turistas na alta temporada. Aproveitei para ter umas aulas
de afrikaans com Mikail, tinha que aprender umas frases úteis para usar mais
tarde com as nativas:
Buffels Baai
- Hallo! (Oi!)
- Hoe gaan dit? (Tudo bom?)
- Dis lekker!
(Beleza!)
- Wat is jou
naam? (Qual seu nome?)
- Jy is mooi!
(Você é bonita!)
- Dankie! (Obrigado!)
A mãe dele estava fazendo jantar
para gente, finalmente ia ter uma refeição digna naquele país! Após o jantar,
ainda assisti ao noticiário local e a uma telenovela – em afrikaans!!!
Conversei muito com a mãe dele (que é professora desse idioma), Amanda,
discutimos sobre as diferenças e semelhanças das realidades de nossos países –
foi bem legal! No final, depois de algumas taças de vinho, ela já estava
falando em afrikaans comigo – fingi que entendia tudo!
Noitada teen em Knysna
Partimos então para a noitada.
Como a alta temporada já tinha passado, estava tudo muito vazio – além de estar
chuviscando! Mas era o último final de semana antes da volta às aulas da
garotada, toda a juventude de Knysna decidiu se reunir no mesmo bar – o
Zanzibar. Digo juventude para não falar pirralhada, ou - como eles dizem – youngsters. Como se o elenco todo de High School Musical, ou outro filme do
gênero, estivesse lá! Só consegui manter uma conversa com uma menina que estava
morando na Inglaterra e outra de origem indiana que estudava em Grahamstown, na
mesma universidade que a Jeannine – minha roommate
no Monkeyland. Segunda vez que a regra das 3 pessoas no mundo (eu, você e algum
amigo em comum) se confirma: descobri depois que elas moravam na mesma
residência estudantil! Tentei usar as frases que tinha aprendido na praia, elas
acharam engraçado, mas não deu muito certo. Cidade pequena, todos se conheciam,
geral reunida no mesmo lugar, todo mundo no “0x0”!
Fim de festa na piscina
No fim da festa, as coisas
pareciam ter melhorado! Fomos levar outras duas meninas em casa, ambas
estudavam em Stellenbosch – mesma universidade que o Mikail. A casa – ou
melhor, mansão - era em um condomínio na Theasen Island, bairro residencial em
uma ilha da Knysna Lagoon. Estava calor e elas nos convidaram para tomar banho
de piscina. Eram duas da manhã e os pais da dona da casa estavam dormindo – opa!
A vista era maravilhosa, parecia que a piscina e a lagoa eram uma coisa só,
além do penhasco (East Head) cheio de
mansões bem na nossa frente! Mal entramos na piscina e começamos a conversar, a
mãe da menina saiu na varanda e expulsou a gente de lá! Saímos todos molhados, catando
nossas coisas e demos o fora - parecia cena de filme adolescente!!
Simplesmente não acreditava que
poderia ter entrado dessa maneira dentro da vida social deles. Por mais que não
me sentisse pertencente àquilo, pude viver um pouco dessa realidade e aprender com a experiência. Somente se
colocando no lugar do outro, deixando de lado nossas verdades, podemos entender
e respeitar outras culturas e diferentes pontos de vista. Aquela tinha sido a
primeira vez, mas não a última, que isso ocorreu na viagem – me senti um
forasteiro, não um simples turista. Essas imersões dentro de outras culturas
merecem um texto só para elas. Mas antes de começar a filosofar, ainda tem
muita história para contar...
Como foi bom viver no campo tendo macacos, pássaros e elefantes como vizinhos! Sentar no balanço na árvore em frente de casa no final da tarde, sentir o vento no rosto enquanto observava as cores do céu, o verde das plantas, o barulho dos animais e a simplicidade da vida. Paz, tranquilidade, harmonia com a natureza! Era o que eu estava buscando ao ir para o continente africano, fugir da civilização como os poetas árcades e os personagens dos livros que tinha lido (ver dicas de leitura viajante no fim do primeiro post)!
Vizinhança
Bom dia, Tsitsikamma!
Os dias passavam devagar, suficiente para fazer coisas que não temos tempo na agitada rotina das cidades grandes. Acordar cedo, tomar o café da manhã com calma, dar “Buongiorno” para a Chiara, ir caminhando lentamente para o trabalho contemplando aquele clima bucólico do interior sulafricano, falando “morning!” para todos pelo caminho. No fim do dia às vezes pegávamos carona na carroceria da bakkie. Quando ela ia em direção à fazenda, corríamos atrás da velha caminhonete sem porta para chegar mais cedo em casa!
Pressa para quê?! Com certeza não era para assistir TV, checar emails ou entrar no Facebook. Essas modernidades não estavam disponíveis, também não faziam falta! Ao invés disso, o tempo era aproveitado para lavar roupa, fazer o jantar e preparar o almoço que levaria para o trabalho no dia seguinte. Depois dos afazeres domésticos, ai sim podíamos relaxar!
Voltando de carona
Cooking time!
Bater papo, jogar baralho, assistir filmes no notebook, ler livros, eram os meios rotineiros de distração. O cansaço batia cedo, às dez da noite era difícil ter alguém ainda acordado! Mas sair da rotina às vezes também é bom! Como estávamos meio isolados na fazenda, a 20km de Plett, na maioria das vezes nos divertíamos por lá mesmo. Seguindo à tradição sulafricana, sempre rolava um braai (churrasco) em volta da fogueira.
Fogo!
Caipirinha!
Braai
Festa!
Dia de braai era sempre um acontecimento muito esperado. Cada um tinha uma função e assim que chegávamos do trabalho os preparativos começavam. Buscar lenha, fazer a fogueira, preparar caipirinha e brigadeiro; descobri talentos que nem imaginava que tinha! Cada um colocava na grelha o que iria comer. Tinha de tudo, de bife à beringela. Jeannine e Emelia eram as DJs, a seleção de músicas incluía até reggae sulafricano com algumas músicas em xhosa - da banda Tidal Waves (para ver clipe, clique aqui), muito boa por sinal! Mas uma música que sempre me fará lembrar desses momentos é “5 years time” de Noah and the Whale, principalmente o trecho a seguir:
'Cause I'll be laughing at all your silly little jokes
And we'll be laughing about how we used to smoke
All those stupid little ciggarettes and drink stupid wine
'Cause it was what we needed to have a good time
And it was fun, fun, fun
When we were drinking
It was fun, fun, fun
When we were drunk
And it was fun, fun, fun
When we were laughing
It was fun, fun, fun
Oh, it was fun
Oh well, I look at you and say: "it's the happiest I have ever been!"
And I'll say: "I no longer feel I have to be James Dean."
And she'll say: "yeah, well, I feel pretty happy too,
and I'm always pretty happy when I'm just kicking back with you."
Praia!
A nossa sorte é que tínhamos duas voluntárias sulafricanas com carro, Kim e Jeannine. Então podíamos dividir o dinheiro da gasolina e ir à praia ou jantar em Plett de vez em quando. Como já não estava mais na alta temporada (que é nas férias de natal e ano novo dos sulafricanos), a vida noturna lá estava bem fraca. Mas mesmo assim íamos jogar uma sinuca e tomar uma cerveja antes de voltar para casa! Em dias muito quentes saíamos correndo do trabalho rumo à praia! As mais próximas eram Keurbooms e Nature’s Valley. Depois que a Jeannine foi embora, as vagas no carro da Kim ficaram muito disputadas!
Baixa temporada
Sinuca!
Diversão dos locais...
O único modo de ir da fazenda para Plett, sem carona, era ligar para o motorista do minibus taxi ir nos buscar lá. Demorava pelo menos uma hora até ele chegar, antes tinha que encher a van na comunidade ao lado para seguir viagem. Todos na van já nos conheciam, os voluntários do Monkeyland eram respeitados na Kurland Village. A maioria dos funcionários do santuário moram lá, sendo uma das maiores fontes de emprego local. Sempre fomos bem recebidos e nos faziam sentir em casa dentro da sua realidade. A comunidade era bem organizada, não um amontoado de barracos como algumas aqui no Brasil. Ruas de terra delimitadas, algumas casas boas e outras nem tanto, crianças brincando nas ruas, como qualquer bairro mais carente.
... e a nossa também!
O bar mais perto da fazenda fica ali, o Toks. Os bares das townships (as favelas deles) são chamados de shebeens e, geralmente, são a única forma de diversão dos moradores dessas comunidades. Éramos celebridades no local, ou aberrações – sei lá! Quando chegávamos, todos olhavam para nós. Mas não de uma maneira intimidadora, e sim com curiosidade. Muitos vinham conversar conosco, saber de onde éramos, se estávamos gostando do país deles, contavam casos, como era a dura vida durante o apartheid, etc. A maioria estava bebendo desde cedo, então estavam bem sociáveis! A competição na mesa de sinuca era bem acirrada, nem me atreveria a tentar uma disputa com os profissionais! A música da jukebox sempre alta e bem animada. Nossos colegas de trabalho vinham dançar com a gente, muito divertido e engraçado! A bebida era bem barata, a cerveja de 1L lá era o mesmo preço da long neck na cidade (12 rands, em torno de R$3). Sempre passávamos na shebeen para comprar suprimentos para nossos braais. Descia do carro descalço, cumprimentando todo mundo, me sentia em casa!
Como meus dias de folga não eram junto com nenhuma das motoristas, tinha que me programar para aproveitar o tempo livre que eu tinha para conhecer o lugar direito. Geralmente os days off se resumem a ir cedo para Plett, pegar uma praia na cidade mesmo (era bem bonita), entrar na internet em algum cyber cafe ou restaurante com wi-fi, comprar mantimentos para a semana toda no supermercado (Checkers e Spar são mais perto de onde a van sai; Pick’n Pay é maior, embora mais longe) e correr para não perder o último minibus taxi para a Kurland Village – que sai às 16h em dias de semana e às 14h nos finais de semana!! Como meus dias livres eram às sextas e sábados, teria sempre que voltar cedo para casa e não ia conseguir aproveitar muito.
Dia de praia em Plett
No primeiro final de semana foi isso que ocorreu, tinha acabado de chegar e ainda não sabia direito como as coisas funcionavam. Até tentei alugar um carro com a Chiara. Não sairia muito caro (pouco mais de 200 rands a diária, menos de R$60), mas tinha que ter feito reserva antes. As próximas oportunidades para explorar a região não poderiam ser despediçadas! O mês que passaria ali estava passando e havia ainda muito o que conhecer no pouco tempo livre que eu tinha. A semana seguinte teria que ser mais proveitosa...
Meu ônibus saiu cedo de Cape Town (ver post anterior, clique aqui), às seis da manhã. Mais uma vez estava na estrada, sozinho, sem saber ao certo o que me esperava. Peguei o ônibus mais barato, o Citiliner da Greyhound, um “pinga-pinga” que ia pelo litoral até Durban (do outro lado do país) parando em todas as cidades do trajeto. Segundo a moça que me vendeu a passagem, não teria serviço de bordo nem banheiro. Sem problemas, iria descansar bastante da noitada do dia anterior, pensei. Não contava com o aperto, eram 5 assentos por fileira (2+3)!! Sorte que sentei no corredor. Fui conversando com um sulafricano que sentou ao meu lado, Mikail, que foi meu guia - explicando sobre tudo pelo caminho. Mikail é africâner (minoria branca descendente de holandeses), estuda em Stellenbosch (cidade universitária próxima à Cidade do Cabo, região dos famosos vinhedos sulafricanos) e sua família é de Knysna (lê-se “náisna”) - ao lado de Plettenberg Bay, meu destino final. Ele disse que já foi várias vezes ao Monkeyland, onde eu iria trabalhar, em excurções da escola quando era criança!
Mapa do percurso entre Cape Town e Plettenberg Bay
Vinícola na região de Stellenbosch
As paisagens eram surpreendentes. Vinhedos e mais vinhedos, montanhas ao fundo, cidadezinhas muito bem cuidadas com arquitetura holandesa e canteiros de flores. Passamos pela sua universidade, Stellenbosch University, que é uma das melhores do país. O campus era igual aos que vimos em filmes americanos, prédios imponentes espalhados por tranquilas ruas arborizadas. A província de Western Cape (Cabo Ocidental), onde estávamos, é onde a população africâner se concentra e isso explicava o que eu estava vendo. Nas cidades menores não tinha nenhuma placa em inglês, e para decifrar o afrikaans é preciso saber um pouco de holandês – o que não era o meu caso! Pelo menos eu já sabia falar “braai”, “hallo” e “dankie” (churrasco, oi e obrigado).
Fomos vendo um filme de comédia sulafricano, todos no ônibus davam altas gargalhadas! O filme era “Mama Jack”, de Leon Schuster, um famoso comediante local que é conhecido por fazer pegadinhas, tipo as encenadas pelo Ivo Hollanda no Topa Tudo por Dinheiro. Era interessante que fazia graça com o cotidiano da população, mostrando sua realidade e gerando identificação das pessoas com as situações. Além de me destrair, pude aprender um pouco mais da cultura popular sulafricana!
TRAILER do filme “Mama Jack”, de Leon Schuster:
Mikail desceu em Mossel Bay, primeira cidade do litoral da Garden Route (rota jardim, trecho da estrada com belas paisagens), e falou para avisá-lo quando eu fosse à Knysna. Já tinha feito um amigo local, agora faltava conhecer os voluntários que já estavam no Monkeyland - estes iriam ser meus companheiros de aventuras pelas próximas semanas. Cheguei a Plettenberg Bay (ou Plett, para os íntimos) com um tempo chuvoso. Coloquei minha mochila pesada nas costas e agradeci ao motorista, que me disse: “Have a safe journey!” (“Tenha uma jornada segura!”). Acho que ele percebeu que eu era um mochileiro iniciante!
Plettenberg Bay
Christian, o gerente do santuário de primatas, estava a minha espera. Antes de seguirmos para lá, passamos no supermercado para eu comprar mantimentos. Pude ver um pouco da cidade pela janela do carro: a rua principal com lojas, cafés, bares e restaurantes sofisticados para os turistas; mansões com vista para o mar; shopping center estilo americano com grandes lojas em volta do estacionamento e um restaurante KFC no meio. Pegamos a estrada e uns 20km depois chegamos a The Crags, nome do lugar onde a fazenda é localizada.
Essa região atrai muitos turistas, que se hospedam em Plett ou que estão de passagem pela Garden Route, devido às suas belezas naturais e aos vários santuários de animais que lá se situam. Estando nas proximidades do Tsitsikamma National Park, o cenário é composto por montanhas, cachoeiras, vales e rios que desembocam em maravilhosas praias com penhascos emoldurando a paisagem. Como em Nature’s Valley, local ideal para fazer trilhas e curtir a natureza. Embora seu mar agitado possa ser perigoso para nadar, a lagoa formada pela foz do rio que lá desemboca tem tranquilas águas mornas para um relaxante mergulho enquanto pode-se observar o sol se pondo atrás das montanhas. Algo que eu faria muito após o trabalho.
No Stress... Nature's Valley
Jantar de boas-vindas com os voluntários
Finalmente tinha chegado ao meu novo lar e à minha nova realidade, pelo menos pelas próximas semanas. Ser o único brasileiro do local era uma novidade para mim, nunca tinha ficado tanto tempo sem escutar uma palavra em português. Aos poucos fui me adaptando e sentindo parte daquele lugar. Fui bem recebido pelos outros voluntários, que para minha sorte a maioria era de voluntárias! O único outro homem era um holandês que iria embora dois dias depois da minha chegada. Como Leo é uma das maneiras de se falar “leão” em inglês, senti-me o próprio Rei da floresta! A turma nas casas dos voluntários era composta por duas sulafricanas, uma italiana, uma alemã e uma inglesa. Além da belga que morava em casa de família e de outra italiana, outra belga e uma russa que chegariam mais tarde. Para agradar ao meu público, sempre fazia caipirinha e brigadeiro para elas provarem um pouco mais do sabor brasileiro... Nem preciso dizer que gostaram, né?! Hahah
Novo lar
Cheguei tão cansado da viagem que fui para a cama às oito da noite, dormi mais de dez horas seguidas. Morávamos na fazenda, bem ao lado do trabalho. No dia seguinte, finalmente, fui conhecer os macaquinhos, saber como era o santuário e qual seria minha rotina!
A maioria dos macacos que lá vivem vem de cativeiros, eram aminais de estimação ou mantidos em laboratórios. Chegam humanizados, sem nunca ter vivido como macacos. Apesar de suas espécies serem de origem sulamericana, africana ou asiática; muitos nasceram em pet shops dos EUA ou da Europa. Quando pequenos são muito fofinhos, não tem como não se apaixonar e querer levá-los para casa! Mas depois crescem, entram na puberdade, começam a dar dor de cabeça para seus donos - que logo querem se livrar do problema. É preciso ter em mente que eles não são bichos de pelúcia, tem seus instintos! Então são abandonados por seus proprietários e acolhidos pelo Monkeyland para viverem soltos na natureza.
Howler monkey
Chegando ao santuário, os novatos ficam em gaiolas até se adaptarem aos outros animais e à vida na floresta. No meu primeiro dia presenciei a soltura de uma família, um casal com um filhote, de Howler monkey (o nosso Bugio) na mata. A imensa gaiola no meio da floresta foi aberta e ficamos de longe observando qual seria a reação deles. A mãe, assim que percebeu a chance de liberdade, saiu com o filhote nas costas e buscou refúgio nas copas das árvores. O macho demorou um pouco mais a sair e teve ainda que enfrentar a outra família da mesma espécie que veio dar as boas vindas - ou avisar que eram eles quem mandavam no lugar!
Ponte suspensa sobre a copa das árvores
Os 12 hectares de mata nativa servem de lar para onze espécies de primatas, sendo os Vervet monkeys os donos da casa. Esses macacos de cor prateada e machos com bolas azuis (para atrair as fêmeas) são os únicos de origem local mantidos dentro do santuário. Os babuínos (baboons), famosa espécie que perambula pelas rodovias e áreas urbanas do país atrás de comida, tem que ser mantidos do lado de fora das cercas por não ser de fácil convívio com outras espécies e com humanos. Espécies menores como os Squirrel monkeys entram e saem pelas grades da cerca, mas não são bobos e sempre voltam por causa da comida!
Vervet monkey exibicionista
Baboons do lado de fora
Squirell monkey, há quem acredite nessa cara de bonzinho!
A melhor parte do dia era alimentar os animais, “feeding time”! Pela manhã, assim que chegávamos, cada um pegava um balde, um galão d’água, um pote de comida e seguia para uma gaiola. Após limpar a bagunça feita com a refeição anterior, e o que ela gerou, servíamos o banquete! Muitos ficavam animados com nossa presença (provavelmente sentindo saudades de seus donos), pulavam em nossos ombros e ficavam perambulando pelos nossos uniformes enquanto ficávamos ali dentro. Mas tínhamos que ignorá-los, deviam ser desumanizados para aprender a se virar na floresta! Às vezes isso gerava algumas leves mordidas, queriam chamar a nossa atenção. Os voluntários novatos sempre evitavam os agitados squirell monkeys, era mordida na certa! No final da tarde, antes de ir embora, cada um pegava dois pesados baldes de comida para colocar nas mesas espalhadas pela floresta. Alguns macaquinhos já ficavam nos esperando na porta do quarto de onde saíamos com seu alimento, eram sempre os mesmos! Conforme íamos adentrando a mata, mais e mais iam surgindo. Parecia que ia rolar uma festa rave, só faltava os lêmures de Madagascar começarem a cantar como no filme: “I like to move it, move it”!!! Era surreal aquela vibe!
Ring tailed lemurs sapecas
"I like to move it, move it!"
Farina, a alemã, espantando um macaco levado!
Como a maioria das espécies que lá vivem são de outras origens, a floresta nativa não possui alimentos com os nutrientes suficientes que eles necessitam. Para suprir essa carência, 250kg de alimentos são ofertados diariamente. A dieta é composta principalmente por frutas, pães, ovos e grãos. Antes de amanhecer, a refeição principal é distribuida nas 12 mesas de alimentação espalhadas pela mata por funcionários. Depois os voluntários colocam a sobremesa (frutas) no final do dia. Tudo é feito dentro da fazenda, há uma cozinha cheia de funcionários responsáveis por preparar o cardápio dos símios! Quando a velha bakkie (caminhonete, em afrikaans)sem porta chega carregada da fazenda no portão do santuário, é hora levantar dos bancos e começar o trabalho em equipe para estocar os pesados baldes cheios de nutrientes dentro do almoxarifado. Tinha que prestar atenção para nenhum macaco esperto pegar a comida antes da hora!
A maior parte do dia ficávamos no portão recepcionando os visitantes. Antes de passarmos pelo segundo portão, dentro de uma espécie de gaiola de segurança, explicávamos as regras básicas: No touching, no feeding, no playing with the monkeys! (Não toque, não alimente e não brique com os macacos!). Era gente de todos os lugares, a maioria da Europa, principalmente alemães. De vez em quando aparecia um grupo pequeno de brasileiros, geralmente famílias. Era estranho falar em português algo que eu repetia inúmeras vezes ao dia em inglês. Eu pensava em inglês e demorava uns cinco segundos para saber o que ia falar na minha própria língua, e sempre me enrolava! Os voluntários que ficavam mais tempo eram treinados para virar guias, principalmente os europeus - que podiam explicar na sua língua materna sobre os primatas a turistas de seus países.
O caldeirão cultural não era apenas em relação aos turistas. Além de voluntários de diferentes lugares, haviam funcionários permanentes do santuário que vinham de outros países africanos. Comoros, Camarões e Senegal não ofereceram boas oportunidades para que nossos amigos permanecessem em seus países. A África do Sul é considerada a América da África, atrai imigrantes de todo o continente atrás de oportunidades de trabalho e melhores condições de vida.
Staff em frente ao portão
É interessante observar a facilidade que os africanos tem para falar outro idioma, ao menos os que tiveram acesso a educação. Além do seu dialeto, todos falavam inglês e a língua oficial imposta no seu país (como afrikaans, francês, etc). Tem alguns guias no Monkeyland que fazem tours em inglês, espanhol e francês - como o senegalês, Thiam. Outros, como o comorense Hamid, ainda arranham outras línguas - italiano, espanhol, português e até chinês! As conversas no portão ou na cabine dos funcionários eram divertidas. Sempre haviam discussões sobre os diferentes pontos de vista (africano contra eurpeu) acerca dos mais diversos assuntos! Já as histórias dos guias especialistas eram muito informativas. Bert narrando detalhadamente suas aventuras caçando elefantes na Namíbia, Niel com suas perguntas sobre fatos aleatórios para testar nossos conhecimentos, nos destraíam e ensinavam ao mesmo tempo!
Hora do café com Chiara, a italiana.
O inglês era a língua mais usada entre a gente, lógico. Mas a belga falava em francês com os africanos das ex-colônias francesas, a italiana e o senegalês faziam tours em espanhol com grupos de argentinos, a alemã estava sempre ocupada fazendo tours com seus conterrâneos no seu idioma. Quando eu, a italiana e a belga não sabíamos como dizer uma palavra em inglês, diziamos em nossos idiomas mesmo e nos fazíamos entender (ao menos entre a gente!). A inglesa era sempre imcompreendida, ninguém decifrava seu forte sotaque. Sempre ouvia-se um “WHAT?!” (“O QUE?!”), vindo da italiana, após uma frase sua! As sulafricanas eram nosso dicionário ambulante, principalmente a Kim - que fala inglês como primeira língua e não o afrikaans. Os guias locais, surpreendentemente, falavam em afrikaans entre eles. Digo isso pois o aprendizado desse idioma, língua da minoria branca, foi imposto aos negros pelo governo do apartheid, sendo alvo de protestos na época. Mas quando eles se dirigiam a turistas sulafricanos brancos, o utilizavam muito a contragosto – como se fosse uma submissão.
Como único voluntário do sexo masculino, sempre era requisitado para tarefas que exigiam força física. Carregar caixas, mesas, estantes, ou qualquer outra mobília, era comigo mesmo! Mas tive uma oportunidade para contribuir como pseudo-jornalista, a proprietária do santuário (Lara) pediu para eu escrever um artigo e tirar fotos para o site da instituição sobre um evento que iria ocorrer ali. Crianças de duas escolas viriam nos visitar em uma sexta-feira de manhã para plantar mudas de árvores nativas na floresta em frente ao santuário. Minha primeira experiência como repórter seria em outro continente, em outro idioma, outra realidade... que frio na barriga!
Primeira turma a chegar
A primeira turma chegou logo cedo, assim que abrimos. Vários carros sedans e SUVs foram estacionando e crianças loirinhas com buchechas rosadas, em sua maioria, foram descendo com suas lindas mães de trinta e poucos anos. Eram da escola Footsteps, em Plett. Todos contentes e animados em “salvar a natureza” naquela ensolarada manhã.
Crianças da escola Footsteps
Conversei com Rikke, representante da ornanização não-governamental (ONG) The Green Ticket - organizadora do evento - , que me explicou mais sobre seu trabalho. Eles desenvolvem projetos de reflorestamento e educação ambiental em escolas, estavam lá dando todo o suporte técnico na realização do evento. A intenção era plantar mais árvores nativas, que são ameaçadas por plantas de outros ecossistemas lá inseridas. Estas, por sua vez, deveriam ser arrancadas pois estragam o solo – retirando nutrientes e consumindo o lençol freático em excesso.
Plantando mudas de árvores nativas
Brinquedos novos
Depois que os pequenos terminaram o “trabalho pesado”, foram curtir um passeio no Monkeyland e no Birds of Eden – parque de pássaros ao lado do Monkeyland. Mas ainda faltava a outra escola. Um grupo enorme vinha chegando de uma vez só, a pé. Era a professora e uma mãe com a garotada de uma creche, Come to Learn, da comunidade vizinha – Kurland Village. As crianças estavam todas arrumadas para o passeio, contentíssimas com suas pás de brinquedo que acabaram de ganhar. Acompanhei-os no passeio após plantarem as mudas. Fui conversando com a professora, Patricia, e aquilo sim renderia uma boa reportagem!
Patricia e parte de sua turma no Birds of Eden
Ela cuida sozinha de quase 40 crianças, de idades diferentes, em sua própria casa. Mantém a creche funcionando com a ajuda de alguns pais (não todos), que contribuem com 100 rands (em torno de R$25) por mês. Não recebe doações, nem ajuda do governo. Estava tentando levantar dinheiro para construir outro cômodo e fazer mesas e cadeiras. As crianças ficam amontoadas em uma única sala, todas as idades misturadas. Mas comida ela não deixa faltar, fazem duas refeições diárias lá. Ficou tão contente que eu estava interessado na sua história, que a conversa fluiu naturalmente! Fiquei animado também, senti-me como um verdadeiro jornalista buscando a pauta perfeita para sua reportagem. Mas não era esse o enfoque da matéria pedida a mim, infelizmente. A notinha foi publicada no site da instituição em inglês e português, era minha primeira publicação... mesmo sendo pouca coisa, a experiência significou muito para mim!
Meu primeiro e único tour como guia foi com essas crianças. Todas queriam ser abraçadas, carregadas no colo ou segurar nossa mão. Não precisei dizer muita coisa sobre os macacos para elas, não falavam inglês ainda, mas seus olhares curiosos e surpresos - quando eu apontava um animal - deixavam claro que estavam encantadas com a vida dos bichos na floresta! Esse foi meu melhor dia de trabalho, fui para casa no fim da tarde realizado lembrando daquelas carinhas com sorriso tímido.
Olha o macaco!
Recompensa
Fiquei quase um mês ali. Tempo ideal para explorar a área e planejar as próximas etapas da viagem, supus. Mas era tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que não tive tempo para refletir sobre tudo e começar a escrever, muito menos planejar o que estaria por vir. Viver o presente, isso que eu fazia! Não imaginava que a vida no campo poderia ser tão estimulante. Diversão foi o que não faltou nesse tempo que passei na Garden Route... Mas isso vai ficar para o próximo post, esse já rendeu muito!