quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Cinco anos de estrada...

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Tive que fazer uma pausa nos textos sobre a África. Já tenho muita coisa escrita e outras ainda por escrever. Vou postar tudo aqui, o mais breve possível. O ano nem acabou e já aconteceu tanta coisa, tive que focar em outras andanças. Ainda vão render tantas outras histórias. 

Mas o motivo de voltar aqui hoje é especial. Há exatos cinco anos, começava minha primeira aventura. O que fez passar muita coisa pela minha cabeça. Então ai vai resultado dessa mistura de saudade e agradecimento:


MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM... 



Trinta horas de viagem, voos longos e conexões demoradas. Da janela do avião, apareciam algumas palmeiras depois de tanto oceano e sua vastidão. Não sabia bem onde estava, a notícia de que para lá iria tinha sido recém avisada. Minha primeira aventura seria na neve, mas os casacos tiveram que sair da mala. Disseram-me que eu teria que ir para praia. Bom também, pensei. Já que era para mudar, que mudasse direito. Das estações de esqui, direto para o Havaí.

Meses de preparação, pesquisas e roteiros imaginados. Para nada serviram, tudo cancelado. No meu almoço de despedida foi que tive a notícia. Haviam outras alternativas, algumas mais parecidas. Mas não, aquela me chamou mais a atenção. McDonald’s, Maui. Maui, Maui... já tinha ouvido falar daquele lugar. Talvez em algum seriado americano, destino de férias dos californianos. No meio do Pacífico, custei a acreditar. Nem me importei onde eu teria que ralar.

O ritmo era outro. Já no saguão do aeroporto, ouvi o vento beijando as palmeiras ali em frente. O som do ukulele suavizava os movimentos de todos, ainda encantados com o colar de flores no pescoço. Aloha, sinta-se em casa. Bem-vindo à ohana havaiana. Estava implícito, aquela atmosfera praiana contagiava a quem chegava. Sentia-me ao avesso, um passarinho que migrou ao contrário. Saiu da terra firme para mergulhar no meio do aquário.

Mapa do Hawaii

Maui
Acordei completamente perdido, o fuso e tudo mais. Não sabia onde estava, muito menos para onde ir. Qual o meu endereço? Desconectado do mundo tecnológico e sem ninguém em casa para me guiar. Sai no jardim, ver o mundo exterior para me orientar. Aquilo era real, não via a hora de começar a explorar. Fui na esquina procurar por placas com o nome da rua. Demorei a encontrar aquela tranquila viela de subúrbio no mapa da lista telefônica. Makalii street, achei. Ponto de partida definido, o que vinha pela frente ainda era desconhecido.


Meus companheiros de aventura começaram a chegar. Todos na mesma situação que eu, perdidos no paraíso. Alguns sozinhos, outros em grupo. A tranquila ilha mudou. Jovens e mais jovens falando uma língua esquisita circulando por todo canto. O português praticamente tornou-se o idioma não-oficial mais falado e comentado do lugar. Havia um pouco de espanhol também. A leva de estudantes sulamericanos tinha se instalado, a temporada de trabalho de férias tinha começado.

Brazucas!
“McEscravos Feliz”
O grupo de “McEscravos Feliz” era grande e multicultural. Brasil, Paraguai, Eslováquia, Filipinas e Argentina. Dez pessoas por casa, mais ou menos. Em cada uma das três logo se formou uma grande família. Era uma farra, ninguém se importava com a zona. Bem, só os vizinhos. O trabalho algumas vezes era cansativo, outras descontraído. Aloha, may I take your order? Falar besteiras em português, aprender outras em Filipino. Criar os próprios sanduíches, fazer sundae em um copo gigante com M&M’s a vontade, dar voltas infinitas de sorvete em uma casquinha. Tudo no capricho do jeito que sonha toda criancinha.

Partiu praia?!

Nas horas de folga era para a praia que a galera ia. Ônibus, carona ou a pé mesmo. Tudo para dar um mergulho no mar, aprender a surfar, com os peixes nadar. Nada de luxo ou ostentação, a simplicidade era nossa diversão. Hora de ir mais além. Todos na caçamba da velha caminhonete ou no jipinho alugado, para termos mais espaço. Subir o vulcão no meio da madrugada ou descobrir os segredos do outro lado da ilha. A cada paisagem que saia do mapa para nossas retinas, mais embasbacados a gente sorria.
Amanhecer congelante no topo do vulcão

Despedida
Chegava a hora de voltar, doía só de pensar. O efeito surpresa tornou tudo único, especial. As coisas ocorreram como tinham de ser, sem expectativas frustradas. Com espírito viajante, muito pude aprender. Estar aberto para o novo, o desconhecido. Conviver com as diferenças, outras realidades. Fazer amigos de todas as partes. Ser grato pelas oportunidades que nos são oferecidas, buscar aproveitá-las ao máximo. Dar valor às pequenas coisas, saber contemplar o que está a nossa volta. Pensei em mais tempo ficar, já pertencia àquele lugar. Abraços de despedida, era hora da partida. A casa ia ficando pequenina, enquanto ela sumia o coração ficava mais apertado. A paisagem passava pela janela, um filme pela cabeça. Vi baleias a dançar no mar, disse a elas que ainda haveria de voltar.

MAHALO, Hawaii!

Vídeo que fiz na época:

domingo, 21 de outubro de 2012

Into the Wild Coast...

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Orla de East London
Já era tarde da noite quando o ônibus parou em frente ao Windmill Mall, em East London. O albergue, Sugar Shack, não era longe dali. Bastava seguir em direção à praia e virar à esquerda. Mas segundo o Lonely Planet e conselhos de amigos locais, essa caminhada não era uma boa ideia. East London é a segunda maior cidade da província de Eastern Cape, atrás de Port Elizabeth. A pobreza nessa região não fica segregada em guetos, é mais aparente. Como combinado antes por telefone, liguei para o Sugar Shack e o rapaz foi me buscar de carro na     parada de ônibus. O hostel estava praticamente vazio, mas havia um pessoal jogando sinuca. Juntei-me a eles para uma cerveja e jogar conversa fora. Os alemães se divertiam com as histórias dos senhores locais, já embriagados. O barulho das ondas, que quebravam logo ali em frente, me conduziram para o quarto. Meu sono teria uma cabana inteira com trilha sonora marítima só para ele.



Vista panorâmica do Sugar Shack Backpackers
Vista do banheiro!


Acordar com uma vista daquela foi revigorante. Até do banheiro dava para contemplar aquele visual. Um perfeito e aconchegante recanto praiano. A praia era bonita, porém deserta demais. Uma área em que se deve evitar andar sozinho, segundo o Lonely Planet. Sentado no deck da minha cabana, observando a paisagem, vi uma cena que me fez lembrar que estava na África e não no Hawaii. No calçadão da praia, um homem em fiapos apoiava-se em uma lixeira. Hipnotizado, parecia buscar uma luz no fundo da lata de lixo para salvar-se daquela condição. Ele precisaria mais do que restos de comida para nutrir sua fome interior.





Minha cabana de mochileiro
Triste realidade
Pedi informação de como chegar a Cintsa para o pessoal da recepção. Havia um serviço de shuttle, van particular, que cobrava 180 rands. Quase 50 reais por uma viagem curta, de 40km. Os mochileiros geralmente chegam lá de BazBus, que deixa na porta do albergue. Não era o meu caso. Decidi ir de minibus taxi, como os locais. Depois de alguns telefonemas, descobrimos onde era o taxi rank. Consegui uma carona com o dono do albergue, o Andre. Ele também era dono do Coffee Shack, o tão recomendado backpackers em Coffee Bay. Disse que Cintsa era legal, mas Coffee Bay era mais rústica e com a verdadeira vibe da Wild Coast. Mal podia esperar para conferir.


"Leo Supertramp"
Desci do carro naquela confusão de pessoas, vendedores e vans para todos os lados. Achei as que iam para Cintsa logo de cara, no primeiro lugar em que perguntei. A passagem eram míseros 18 rands, um décimo da van particular. Fui feliz da vida ao lado dos meus companheiros de viagem, sem entender nada do que tagarelavam entre eles em xhosa – língua local. O asfalto deu lugar a uma estradinha de terra, assim como a paisagem deixou de ser urbana e passou a ser rural. Buccaneer’s Backpackers, please. O motorista me deixou o mais perto possível, saindo um pouco do seu caminho. Coloquei meu mochilão nas costas e desci a colina na direção apontada por ele. Estava me sentindo livre como um andarilho, integrado à natureza, “Leo Supertramp”. A estradinha fazia uma curva, que ia morro a baixo. Eis que surge, como uma miragem, a visão de uma praia quase selvagem. Era de esfregar os olhos para ter certeza de que era realidade.

Mapa East London (A) - Cintsa (B) - Wild Coast
Cintsa é o lugar mais acessível da Wild Coast, tendo uma boa estrutura e muitas casas de veraneio. Ao contrário do resto da região, também conhecida como Transkei, que é o berço do povo Xhosa – terra natal de Nelson Mandela. Uma das áreas mais pobres e isoladas do país. Seus humildes vilarejos de casas redondas pontilham os 350km de litoral que se estendem dali até Port Edward, indo para o interior até Umtata. Aventura e tradição é o que não falta entre seus vales, penhascos e praias selvagens. Ali era apenas a porta de entrada para uma semana de integração física e mental com toda essa atmosfera.

Vista do dormitório no Buccaneer's Backpackers
 
Muito bem recomendado pelos meus amigos viajantes e locais, o Buccaneer’s era um oásis. Uma confortável estrutura em meio a toda aquela natureza, dormitório com vista panorâmica. Cheguei sozinho, sem conhecer ninguém novamente. A adaptação não foi tão espontânea como em Jeffrey’s Bay, mas aos poucos fui conhecendo a galera. Todos se cruzavam a caminho da praia quase deserta lá embaixo, pegavam as canoas para remar rio acima, conversavam ao redor da piscina, disputavam uma partida de ping pong, jogavam vôlei de areia e provavam as cervejas do bar. A Castle Milk Stout gerou divertidas discussões sobre seu extravagante sabor leitoso.


Praia e Lagoa quase privativas

Além das acirradas partidas profissionais de sinuca, performances de tambor e conversas no bar; o jantar era o ponto alto da noite. A cada dia tinha um prato diferente, com opção vegetariana. Como estávamos isolados ali, todos se reuniam para compartilhar a refeição preparada pelo staff especialmente para nós. Essa era uma característica marcante das hospedagens na Wild Coast, sentir-se em casa. Havia quem ali chegasse para alguns dias e já estava por alguns meses, caso de um simpático casal de Durban (Vicky e Yanes) que arrumou emprego no próprio albergue. Finalmente encontrei outros viajantes que estavam indo na mesma direção que eu, para Coffee Bay. Como Slobodam, um sérvio muito louco que mora no Canadá, que estava há algumas semanas acampando pelo litoral sulafricano.

Fotos do Buccaneer's (by Google):



BazBus + Shuttle para Coffee Bay: "Into the Wild Coast..."
Dado o isolamento e escassez de transporte no local, me rendi ao BazBus. Paguei 215 rands até Umtata, principal cidade da região, onde há transporte para os isolados vilarejos ao redor. Esperando a van dos mochileiros, conversei com um casal francês (Lucie e Tony) que tinha chegado no dia anterior e estava indo no mesmo sentido que eu. A bordo do BazBus, vindo de Cape Town, conhecemos um médico novaiorquino (Sasha) que também iria para Coffee Bay. Para minha surpresa, a coroa alemã que conheci em Wilderness (Claudia) também estava lá. Já em Umtata, o alemão Sebastian se juntou a nós no shuttle do Coffee Shack. Estes seriam meus companheiros de viagem a seguir, mal nos conhecíamos ainda e tínhamos muita estrada pela frente... 


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domingo, 9 de setembro de 2012

A "Cidade dos Santos"

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Segundo a definição do meu guia mochileiro, Alternative Route, Grahamstown é conhecida como “Cidade dos Santos”. Mais por suas muitas igrejas que pelo comportamento de seus muitos estudantes. É lá que fica a Rhodes University, uma das principais do país. Não é uma cidade muito turística, mas muito festeira. Pedi para o motorista da van me deixar no campus, desci em frente ao teatro. Era lá que iria esperar a Jeannine, minha roomate no Monkeyland, que morava em uma das várias residências estudantis por ali.

Rhodes University
Incrível como as cidades universitárias são aparentemente tranquilas e pacatas. Assim como em Stellenbosch, o campus era muito parecido com os que vimos em filmes americanos – ruas arborizadas, imponentes prédios históricos e vários dormitórios e repúblicas estudantis. Fomos deixar minhas coisas no dormitório dela e partimos para um pub, tudo a pé. A residência estudantil dela era só feminina. Para entrar, tinha que passar um cartão magnético e minha presença foi registrada em um livro de visitantes masculinos com horário de entrada e saída. Era dia de mudança, as alunas tinham acabado de voltar das férias e seus pertences estavam encaixotados no depósito. Como único homem no prédio, fui requisitado a carregar algumas caixas escada acima. Virei a atração do lugar! Era um grupo bem mais heterogêneo que em Stellenbosch, onde a maioria é Afrikaans. Lá encontrei a menina indiana que conheci em Knysna, mundo pequeno!
  
Shots!
A noite chegou e a tranquildade das ruas foi embora, então entendi a descrição do guia. Fizemos uma perigrinação. Não religiosa, claro, mas sim etílica. Não lembro ao certo quantos bares e baladas entramos. Colecinávamos carimbos e pulseiras de livre acesso aos lugares. Tudo começou em um bar com driques a 5 rands (menos de 2 reais), encontramos umas amigas dela e ficamos conversando. Cada hora era uma bebida diferente. Querendo provar algo típico, experimentei quase todo o cardápio. Mas as bebidas típicas de cidades universitárias são as mesmas em qualquer lugar, cerveja e destilados com coca cola. O que pode mudar é a marca, que seja então!

Jeannine, eu, Kiara e Trisha
Duas de suas amigas (Trisha e Kiara) eram do Zimbábue, país vizinho controlado pela conturbada ditadura de Robert Mugabe. Enquanto o ditador anda expulsando os fazendeiros brancos do seu país, as duas trocam confidências em uma mesa de bar – onde a cor da pele não faz a menor diferença. Falei que queria conhecer Harare, a capital de seu país, entender como é viver naquele controverso sistema político. Tinha ouvido rumores de que haveria eleições presidencias em breve, provavelmente mais uma vez violentas e fraudulentas. Elas não me incentivaram tanto a ir, mas me passaram alguns contatos para procurar lá caso realmente decidisse tentar. A economia do Zimbábue entrou em colapso com a queda da produção agrícola, após a “reforma agrária” ditatorial. O dólar zimbabueano não valia mais nada. Para conter a inflação estratosférica, a solução foi dolarizar a economia. Kiara tirou da carteira suas notas de dólares, todas em fiapos. As cédulas que iam ser descartadas nos EUA são as que circulam por lá, cheias de rabiscos e remendadas com fitas adesivas. Harare já tinha visto dias melhores. Ver vídeo (em inglês) sobre a situação no Zimbábue no final desse post.

Mas não estava lá para falar de política, também não tinha nem condições. Seguimos a multidão pelas ruas em busca do próximo destino, ou melhor, próximos destinos. A pacata cidadezinha tinha se tranformado, a noite estava eletrizante. Entrávamos em um lugar, saiamos de outro, voltávamos pro anterior e foi assim a noite toda. Do nada me vi na casa de uma galera aleatória, tipo república estudantil, brincando com uns ratos de laboratório na gaiola. Se não fosse a foto dos camundongos na câmera, essa imagem teria sumido da memória. Matamos a fome na barraquinha da Mama Pam, um cachorro quente morte lenta típico muito bom! Ganhei um porta-chaveiro da Jose Cuervo como brinde, deve ter sido em algum concurso ou brincadeira de um pub qualquer. Não vi a hora que a festa acabou, ou mudou de lugar. Amanhaci como um clandestino no dormitório feminino.



Foam party!
Domingo de sol, belo passeio pela cidade e gramados da universidade. Ainda tinha festa programada, mesmo com ressaca acumulada. A festa da espuma em um divertido pub, o House of Pirates, prometia. Não lembrava que já tinha conhecido a metade das pessoas dali na noite anterior, dizia “Hi, nice to meet you” para todo mundo. Foi muito divertido, mesmo não aderindo à farra na piscina de espuma. Viajar todo molhado ia ser complicado, preferi só assistir.



Campus universitário

Demos umas voltas de carro para procurar o taxi rank e pedir informações sobre os horários das vans, sem sucesso. O destino era a Wild Coast, o litoral quase intocado repleto de vilarejos tribais na região mais pobre do país. Mas não sabia se ia direto para Coffe Bay ou pararia alguns dias em Cintsa, como indicado por amigos de estrada. Conferi os horários dos ônibus e decidi partir para East London, dormir lá e seguir para Cintsa no dia seguinte. Lá era a cidade natal da Jeannine, a Wild Coast seu quintal. Ela tinha ficado tão contente quando eu disse, ainda no Monkeyland, que queria conhecer aquele lugar. Lamentava-se pelos voluntários estrangeiros que só iam a Cape Town e nada mais. Como se algum gringo me dissesse que queria conhecer a Chapada dos Guimarães, refúgio de cuiabanos como eu, além do Rio de Janeiro. Seria a companhia perfeita para aquela aventura, me passou várias dicas. Malditas aulas da faculdade, que abreviaram nossa despedida. Paramos na Steers para lanchar enquanto o ônibus não aparecia. Vários passaram e nada do meu, mas ele chegou. Hora de partir novamente, rumo ao desconhecido.

Caminho pela frente...

Vídeo (em inglês) sobre a situação no Zimbábue:

Hawaii africano

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Amanheci em Jeffrey’s Bay, cidadezinha litorânea que respira surf. Lá que rola a etapa africana do campeonato mundial do esport, o WCT, geralmente em julho. Para quem não é um surfista profissional, como eu, não há tanto o que fazer em JBay – como é carinhosamente conhecida. A praia é bonita, mas nada de especial além dos tubarões. A cidade se resume a uma rua principal com lojas de roupas e equipamentos para surfistas, sendo a fábrica da Billabong e outros outlets de surfwear os maiores atrativos. Pensei em passar apenas dois ou três dias ali e seguir em frente, só para conhecer.

Cheguei cedo ao meu albergue, fiquei esperando a recepção abrir para fazer o check in. O Island Vibe Backpackers é uma atração à parte, fica em cima das dunas debruçado sobre o Índico com vista privilegiada para as famosas ondas do pico. O clima havaiano me agradou logo de cara, me senti mais em casa ainda quando escutei pessoas conversando em português. Havia um grupo de brasileiros que estavam morando lá para trabalhar como voluntários em projetos sociais, cuidando de crianças carentes da região (ver dicas no blog de uma delas). Sentei para tomar café e conversar com as meninas. Aos poucos fui conhecendo outros brasileiros que estavam lá a passeio, as pessoas do meu quarto e logo já estava à vontade.

A regra das três pessoas no mundo (eu, você e um amigo em comum) se confrimou mais uma vez, ou melhor, várias vezes. Conheci a Bárbara, uma das voluntárias brasileiras, que estuda na mesma faculdade que eu me formei e conhecia vários amigos meus de BH! Inacreditável. Conversando com os outros viajantes, perguntando por onde eles passaram, contando nossas histórias, descobrimos muitas coisas em comum. Ficamos nos mesmos albergues, visitamos os mesmos lugares e até conhecemos as mesmas pessoas em situações distintas...  Arrumei até um sócio, nos envolvemos com a mesma menina em cidades diferentes! Surreal. Como a maioria do pessoal estava vindo do sentido contrário ao meu, de Durban para Cape Town, pude pegar várias dicas de onde parar pelo caminho.

Beach House
By Stefan Hebeisen
Meu quarto ficava na Beach House - um prédio anexo mais tranquilo, perto do som das ondas e longe do ruído do bar. Foi um pouco mais caro, mas compensou muito. A varanda privativa a poucos metros da areia com uma vista incrível era onde curtíamos a maresia. O pessoal do quarto logo ficou unido, uma galera muito parceira. Tinhamos o desativado beach bar na areia a nossa disposição, logo ali na frente. Final de tarde era ali que curtíamos uma jam session da Lieke, a holandesa, tocando um Jack Johnson no violão. Perfeito!


Beach bar
Cheguei sem nenhuma expectativa, até achando que não ficaria muito tempo. Mas não dava vontade de ir embora. Quando tinha sol íamos à praia, dava para alugar prancha e tentar surfar. Pelo menos um “jacaré” consegui pegar naquelas ondas! Nos dias nublados dávamos uma volta pela cidade no carro alugado do Stefan, o suíço. Resolvemos fazer um braai (churrasco) e compramos os mantimentos no supermercado. Uma alternativa para as refeições servidas no albergue, que também eram ótimas. Todo dia tinha um prato diferente no almoço e no jantar, com opção vegetariana, a preços camaradas.

Roommates
Mesmo com o tempo meio ruim, arriscamos dar um mergulho na praia vazia em um dia à toa. Claro que alguns pertences estavam faltando quando voltamos para a areia. Um senhor nos disse que viu uns garotos mexendo nas nossas coisas e correram para o mato quando ele os repreendeu. Fomos atrás e encontramos os objetos jogados no chão, tinha sido só arte de criança. 

Mutirão na creche

Certa tarde a Roberta, uma das voluntárias, nos convocou para fazer um mutirão na creche onde ela trabalhava (ver post no blog dela). Ela cuidava das crianças em um puxadinho na casa de uma senhora, que conseguiu outro lugar para morar. Então as crianças ganharam mais espaço, o comodo improvisado onde antes ficavam ia ser “demolido”. Assim, elas teriam um espaço coberto para brincar do lado de fora. Depois do serviço pesado, fomos recompensados com suas carinhas alegres.  Foi bom sair daquela bolha paradisíaca em que estávamos e fazer alguma coisa, ainda que pouco, para melhorar a realidade sofrida a nossa volta. Veja vídeo com a experiência do voluntariado delas clicando aqui.

Brazilian party!
As festas no bar eram regadas a muita cerveja e shots de tequila, entre outros drinques. O povo ficava bem descontraído! Mas a música não era tão boa, meio caída. Resolvemos fazer uma festa brasileira no bar desativado lá na areia, o beach bar, com muita caipirinha e música animada! A Mariana, voluntária brasileira japinha, ficou encarregada de divulgar para a galera e recolher a grana (50 rands de cada, uns 15 reais). Eu e os caras do meu quarto (Guilhermino, Mike e Stefan) fizemos as compras e preparamos os drinques. Aos poucos o pessoal foi chegando e o clima esquentando. A lua cheia parecia um farol iluminando o nosso mega luau improvisado. A minha bandeira brasileira estava pendurada atrás do balcão, atraindo mais curiosos querendo saber o que estava rolando lá embaixo. Até o barman apareceu para conferir a festa, pois seu bar estava vazio lá em cima! No outro dia nem a bandeira sobrou para contar história, dasapareceu assim como a memória da maioria.

Caipirinha!


Brazucas!

A diretoria foi curar a ressaca do dia seguinte em um restaurante grego, The Greek, na cidade. Sorte que contávamos com um subsídio da grana que sobrou da festa, ainda que pouco. No final da refeição fomos convidados a quebrar os pratos. Ficamos sem entender direito, mas topamos. É uma tradição grega, simbolizando o desapego aos bens materiais e alegria de viver. Foi muito divertido e inesperado!

Quebra de pratos - restaurante The Greek

Estava rodeado de novos amigos, mas todos estavam indo no sentido oposto - em direção a Cape Town. Seriam perfeitos companheiros de estrada. Mas éramos só eu e minha mochila novamente, tinha que seguir em frente! Iria para Grahamstown encontrar a Jeannine, minha roommate no Monkeyland, para curtir as festas universitárias de lá.

Não era muito longe, mas não tinha muitas opções de ônibus e os horários e tarifas eram horríveis. Teria então que pegar dois minibus taxis (tipo van lotação), um até Port Elizabeth (P.E.) e outro de lá para meu destino. Pedi um taxi regular para me deixar no taxi rank, de onde os minbus taxis partiam. O taxista se assustou, falou para eu não pegar os “black taxis” pois era perigoso. Eu disse que já estava acostumado a andar nesse tipo de transporte e não tinha dinheiro para ir de taxi regular com ele para P.E. - sairia 400 rands (R$100) ao invés de 40 rands (R$10).

Trajeto JBay - P.E. - Grahamstown

Chegando ao estacionamento quase vazio do taxi rank de JBay, fui recebido pelos motoristas das vans que me convidaram para seu churrasco improvisado enquanto esperavam mais passageiros. Os taxi ranks de cidades grandes, como P.E., são lugares confusos. Muitos passageiros, bagagem, mercadorias, animais, vendedores, vans para todos os lados.  Não muito indicado para turistas desavisados. Fotos então, nem pensar. Mas ao chegar lá, o motorista da minha van me deixou na porta da que ia para Grahamstown, que já estava de saída. A “conexão” foi imediata e tranquila.

A preocupação do taxista branco ao ver um estrangeiro se aventurando a viajar em um “pau de arara” pelo seu país, algo que ele nunca faria, mostrou-se desnecessária. Aquela é a realidade da maioria da população local, algo que não se pode esconder. Pode ser perturbador, para ele, compartilhar isso com um forasteiro. Cheguei a pensar que era um resquício do aparthaid, e até poderia ser. Meus companheiros de viagem me olhavam com respeito, por estarmos ali no mesmo banco por horas e horas, sem qualquer distinção. Já estava na província de Eastern Cape, uma das mais pobres do país. A desigualdade social era mais evidente e menos segregada, como fui percebendo a partir dali.

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Vinho universitário

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Cheguei


A melhor universidade da África do Sul não poderia ficar em lugar mais oportuno, na região dos melhores vinhos do país! A vida universitária em Stellenbosch se mostrou bem animada. Mikail, meu amigo sul-africano que estuda lá, me pegou na estação e fomos direto para um pub encontrar seus amigos. Era um domingo, véspera da volta às aulas, os bares pelo caminho estavam todos lotados.



Free shots!


Chegamos ao Bohemia, um pub bem divertido cheio de estudantes enlouquecidos. Era dia de bingo, logo que cheguei já ganhei uma cartela para concorrer aos prêmios. Num primeiro momento fiquei meio perdido, tive ajuda da Adele (amiga do Mikail, que por sinal também canta bem) para contar meus pontos. Falei que no Brasil bingo geralmente é um passatempo para idosos. Lá o tradicional jogo era bem diferente, todos loucos pelas bebidas grátis oferecidas a quem completasse uma linha ou coluna. Teve também um concurso de quem fizesse a maior esquisitice no palco, um da nossa mesa foi lá participar e ganhou shots para todos nós como prêmio. Os participantes eram engraçados, apesar de não me lembrar quais foram seus truques já na manhã seguinte. Estava na terra dos famosos vinhos sulafricanos, resolvi apostar na bebida local. Vinho não era uma bebida pra aquela ocasião, pensei. Mas lá havia uma versão universitária, a wine box. Como não sou um enólogo exigente, a caixinha de vinho foi uma boa pedida!


Wine box
A festa terminou em uma das repúblicas da cidade. Fomos para uma casa enorme, com um jardim imenso e uma piscina convidativa naquela quente noite de verão. Todos lá falavam afrikaans como primeira língua, fiquei boiando nas conversas. Antes de ir para o dormitório da faculdade, passamos no labaratório de informática. Mikail e Adele tinham que resolver algo da matrícula deles e eu aproveitei para entrar na internet. Por incrível que pareça, tinha gente infurnada dentro da universidade em pleno domingo a noite!  Estendi meu saco de dormir no chão do dormitório, o desconforto nem incomodou tamanho era o cansaço.

Ruas de Stellenbosch
Não estava muito afim de passeios turísticos nas vinícolas, resolvi andar pela cidade. Sentei em um simpatico café de esquina com internet grátis, o Vida e Caffè - uma rede inspirada nas cafeterias portuguesas. Além de receber um "obrigado" (em português mesmo) após finalizar meu pedido, estava tocando uma Bossa Nova cantada por Bebel Gilberto. Cidadezinha tranquila, ruas arborizadas, casarões históricos, cafés e restaurantes aconchegantes. Ia ter um jogo de rugby do time da universidade, os Maties. Todos estavam uniformizados pelas ruas, parecia final de Copa do Mundo. Universidade, estilo as americanas, com prédios imponentes e estudantes indo e vindo nas sobras das árvores centenárias de suas calçadas. A maioria esmagadora de seus alunos é de origem afrikaans, todos descendentes dos colonizadores europeus. Uma aluna me disse que preferiu estudar lá justamente por causa dessa hegemonia branca, pois as outras universidades são “muito misturadas” – senti um resquício do aparthaid em seu comentário. Segundo o Mikail, as aulas são bilíngues – coitados dos professores que tem que traduzir cada frase dita em inglês para o afrikaans e vice versa. Fiquei um tempo ali observando o vai e vem dos alunos, entrei em um dos prédios e me impressionei. Não lembra em nada as sucateadas universidades federais brasileiras, mesmo sendo em um país mais pobre que o nosso. O Brasil tem muito a aprender, na área da educação, com seu parceiro no BRICS (grupo de países emergentes formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Estudantes da Stellenbosch University

Vídeo da partida de Rugby

Maties x TUT, Varsity Cup
Meu ônibus para Jeffrey’s Bay partiria no início da noite, mal daria tempo para ver o jogo de rugby, mas decidi arriscar. Era pelo campeonato universitário, Varsity Cup. O estádio estava lotado, a fila do bar também. Era um olho no campo e outro no relógio, mas pude aproveitar o animado início de partida. O sol já estava se pondo, seus raios irradiavam a torcida, esperei terminar o primeiro tempo e tive que partir. Torci para o ônibus estar atrasado, cheguei apressado no ponto, em baixo de uma passarela em uma tranquila avenida. Perguntei se o busão já tinha passado para um grupo de estudantes que estava lá bebendo, disseram que ainda não. Ufa! Eles estavam indo pra Grahamstown, onde a Jeannine (minha roommate no Monkeyland) também estudava, outra cidade universitária que estava no meu roteiro. Aproveitei e pedi algumas dicas de lá. O ônibus chegou depois de uns 20 minutos de espera, era a com mesma atendente da outra vez! Lógico que ela não se lembrava de mim, mas eu disse sorridente: “You again!” (Você de novo!). Quase que um dos estudantes não pode embarcar, estava muito bêbado! A paisagem da janela já era familiar, ao contrário do meu próximo destino, onde não conhecia ninguém.

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