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Orla de East London |
Já era tarde da noite quando o
ônibus parou em frente ao Windmill Mall, em East London. O albergue,
Sugar Shack, não era longe dali. Bastava seguir em direção à praia e virar à
esquerda. Mas segundo o Lonely Planet e conselhos de amigos locais, essa
caminhada não era uma boa ideia. East London é a segunda maior cidade da
província de Eastern Cape, atrás de Port Elizabeth. A pobreza nessa região não
fica segregada em guetos, é mais aparente. Como combinado antes por telefone,
liguei para o Sugar Shack e o rapaz foi me buscar de carro na parada de ônibus. O hostel
estava praticamente vazio, mas havia um pessoal jogando sinuca. Juntei-me a
eles para uma cerveja e jogar conversa fora. Os alemães se divertiam com as
histórias dos senhores locais, já embriagados. O barulho das ondas, que
quebravam logo ali em frente, me conduziram para o quarto. Meu sono teria uma cabana
inteira com trilha sonora marítima só para ele.
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Vista panorâmica do Sugar Shack Backpackers |
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Vista do banheiro! |
Acordar com uma vista daquela foi
revigorante. Até do banheiro dava para contemplar aquele visual. Um perfeito e
aconchegante recanto praiano. A praia era bonita, porém deserta demais. Uma
área em que se deve evitar andar sozinho, segundo o Lonely Planet. Sentado no
deck da minha cabana, observando a paisagem, vi uma cena que me fez lembrar que
estava na África e não no Hawaii. No calçadão da praia, um homem em fiapos apoiava-se
em uma lixeira. Hipnotizado, parecia buscar uma luz no fundo da lata de lixo
para salvar-se daquela condição. Ele precisaria mais do que restos de comida
para nutrir sua fome interior.
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Minha cabana de mochileiro |
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Triste realidade |
Pedi informação de como chegar a
Cintsa para o pessoal da recepção. Havia um serviço de shuttle, van particular,
que cobrava 180 rands. Quase 50 reais por uma viagem curta, de 40km. Os
mochileiros geralmente chegam lá de BazBus, que deixa na porta do albergue. Não
era o meu caso. Decidi ir de minibus taxi, como os locais. Depois de alguns
telefonemas, descobrimos onde era o taxi rank. Consegui uma carona com o dono
do albergue, o Andre. Ele também era dono do Coffee Shack, o tão recomendado
backpackers em Coffee Bay. Disse que Cintsa era legal, mas Coffee Bay era mais
rústica e com a verdadeira vibe da Wild Coast. Mal podia esperar para conferir.
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"Leo Supertramp" |
Desci do carro naquela confusão
de pessoas, vendedores e vans para todos os lados. Achei as que iam para Cintsa
logo de cara, no primeiro lugar em que perguntei. A passagem eram míseros 18
rands, um décimo da van particular. Fui feliz da vida ao lado dos meus
companheiros de viagem, sem entender nada do que tagarelavam entre eles em
xhosa – língua local. O asfalto deu lugar a uma estradinha de terra, assim como
a paisagem deixou de ser urbana e passou a ser rural. Buccaneer’s Backpackers,
please. O motorista me deixou o mais perto possível, saindo um pouco do seu
caminho. Coloquei meu mochilão nas costas e desci a colina na direção apontada
por ele. Estava me sentindo livre como um andarilho, integrado à natureza, “Leo
Supertramp”. A estradinha fazia uma curva, que ia morro a baixo. Eis que surge,
como uma miragem, a visão de uma praia quase selvagem. Era de esfregar os olhos
para ter certeza de que era realidade.
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Mapa East London (A) - Cintsa (B) - Wild Coast |
Cintsa é o lugar mais acessível
da Wild Coast, tendo uma boa estrutura e muitas casas de veraneio. Ao contrário
do resto da região, também conhecida como Transkei, que é o berço do povo Xhosa
– terra natal de Nelson Mandela. Uma das áreas mais pobres e isoladas do país.
Seus humildes vilarejos de casas redondas pontilham os 350km de litoral que se
estendem dali até Port Edward, indo para o interior até Umtata. Aventura e
tradição é o que não falta entre seus vales, penhascos e praias selvagens. Ali
era apenas a porta de entrada para uma semana de integração física e mental com
toda essa atmosfera.
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Vista do dormitório no Buccaneer's Backpackers |
Muito bem recomendado pelos meus
amigos viajantes e locais, o Buccaneer’s era um oásis. Uma confortável
estrutura em meio a toda aquela natureza, dormitório com vista panorâmica. Cheguei
sozinho, sem conhecer ninguém novamente. A adaptação não foi tão espontânea
como em Jeffrey’s Bay, mas aos poucos fui conhecendo a galera. Todos se
cruzavam a caminho da praia quase deserta lá embaixo, pegavam as canoas para remar
rio acima, conversavam ao redor da piscina, disputavam uma partida de ping pong,
jogavam vôlei de areia e provavam as cervejas do bar. A Castle Milk Stout gerou
divertidas discussões sobre seu extravagante sabor leitoso.
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Praia e Lagoa quase privativas |
Além das acirradas partidas
profissionais de sinuca, performances de tambor e conversas no bar; o jantar era
o ponto alto da noite. A cada dia tinha um prato diferente, com opção
vegetariana. Como estávamos isolados ali, todos se reuniam para compartilhar a
refeição preparada pelo staff
especialmente para nós. Essa era uma característica marcante das hospedagens na
Wild Coast, sentir-se em casa. Havia quem ali chegasse para alguns dias e já
estava por alguns meses, caso de um simpático casal de Durban (Vicky e Yanes) que
arrumou emprego no próprio albergue. Finalmente encontrei outros viajantes que
estavam indo na mesma direção que eu, para Coffee Bay. Como Slobodam, um sérvio
muito louco que mora no Canadá, que estava há algumas semanas acampando pelo
litoral sulafricano.
Fotos do Buccaneer's (by Google):
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BazBus + Shuttle para Coffee Bay: "Into the Wild Coast..." |
Dado o isolamento e escassez de transporte no
local, me rendi ao BazBus. Paguei 215 rands até Umtata, principal cidade da
região, onde há transporte para os isolados vilarejos ao redor. Esperando a van
dos mochileiros, conversei com um casal francês (Lucie e Tony) que tinha
chegado no dia anterior e estava indo no mesmo sentido que eu. A bordo do
BazBus, vindo de Cape Town, conhecemos um médico novaiorquino (Sasha) que
também iria para Coffee Bay. Para minha surpresa, a coroa alemã que conheci em
Wilderness (Claudia) também estava lá. Já em Umtata, o alemão Sebastian se
juntou a nós no shuttle do Coffee
Shack. Estes seriam meus companheiros de viagem a seguir, mal nos conhecíamos
ainda e tínhamos muita estrada pela frente...
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